http://www.comciencia.br/reportagens/2004/12/07.shtml
Autor: Sergio Valdir Bajay |
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Formulação de políticas públicas, planejamento e regulação de mercados de energia: as visões das administrações FHC e Lula e os desafios pendentes Sergio Valdir Bajay Discute-se, neste trabalho, as valorizações relativas das administrações federais atual e anterior na cadeia – formulação de políticas públicas, planejamento e regulação – de suas intervenções nos mercados de energia e os principais desafios que o novo governo precisa enfrentar para aprimorar este processo.
Segundo uma concepção moderna, o governo pode gerir os setores
elétrico (Bajay et Carvalho, 1998) e de petróleo e gás
utilizando três instrumentos bem distintos e complementares: Uma atuação eficaz do governo sobre esses setores exige que os instrumentos em questão sejam utilizados de uma forma autônoma entre si, mas fortemente complementar. A existência de diferentes agentes executando esses papéis distintos facilita se atingir esse objetivo. Esta separação de papéis, com a otimização dos respectivos procedimentos, inclusive das interações entre os instrumentos em questão, que já teria sido desejável para se melhorar a intervenção governamental nesses setores quando os mercados ainda eram, em geral, monopolísticos e a maioria das empresas que nelas atuavam era estatal, passa a ser absolutamente essencial em mercados onde consumidores “livres” e “cativos” têm que conviver e onde não há “incentivos de mercado” para a cooperação entre as empresas concessionárias, privadas e estatais, produtores independentes e comercializadores. Esta atuação eficaz e complementar só começou a
ser esboçada em 2001, e a ausência anterior dessa integração
foi apontada como uma das grandes causas institucionais da crise de abastecimento
de energia elétrica verificada em 2001 (Kelman et alii, 2001). Uma boa
integração desses três instrumentos passa necessariamente
por uma reestruturação do Ministério de Minas e Energia
– MME, por uma definição clara de suas relações
com os demais agentes que atuam no setor energético, destacando-se as
agências reguladoras e as empresas concessionárias estatais a ela
vinculadas, pela criação de um órgão de apoio ao
MME, que possa executar de uma forma eficiente e sustentável um planejamento
energético de cunho estrutural para o país, e pela revisão
da legislação atual, que é um emaranhado confuso e, algumas
vezes, conflitante ou vago de leis, decretos, portarias, protocolos de entendimentos,
contratos de gestão, etc, que não define com clareza os papéis
de cada instituição na gestão do setor e como eles devem
relacionar-se entre si de uma forma harmoniosa e eficiente, independente das
aptidões de seus dirigentes (Bajay, 2001). No caso do setor elétrico,
em 2002 havia um trabalho em curso no MME neste sentido, voltado para a elaboração
de um Código de Energia Elétrica, conforme proposto ainda durante
os estudos do Projeto RE-SEB, em meados da década de 1990. As valorações relativas dessas atividades nos governos FHC e Lula A implantação de um novo modelo setorial, durante os dois mandatos do presidente Fernando Henrique Cardoso, que privilegiava a busca de competição, onde ela for possível, e a atração de investimentos privados, valorizou em excesso a atividade de regulação de mercado e relegou a um segundo plano a formulação de políticas energéticas e a realização de exercícios de planejamento. Isso ocorreu não só no Brasil, mas também em alguns outros países que estavam passando por essa mesma transição na organização de suas indústrias de suprimento de energia. No caso brasileiro, a crise de abastecimento de energia elétrica, em 2001, revelou com bastante clareza essa falha. A descontinuidade dos exercícios de planejamento, a sua baixa valorização pelo próprio governo e as freqüentes oscilações, de caráter conjuntural, nas políticas energéticas, que marcaram a atuação do MME até 2001, aumentaram muito a percepção dos hoje genericamente – e erroneamente – denominados “riscos regulatórios”, pelos agentes. A nova administração federal, do presidente Luis Inácio
Lula da Silva, no entanto, deve tomar cuidado agora para não criar um
outro problema, que pode ter conseqüências tão graves quanto
o anterior, que é minimizar a importância da atividade de regulação
e retirar a sua indispensável autonomia, ou sufocar financeiramente as
agências através de contingenciamentos brutais de seus orçamentos,
com ocorreu em 2003 e 2004. Principais desafios para o novo governo Há uma premente necessidade de se realizar estudos prospectivos mais elaborados para os principais segmentos do setor energético; o próprio planejamento do setor elétrico hoje necessita de tais estudos para energéticos como o gás natural, carvão, biomassa, energia eólica, etc, a fim de garantir a consistência e a confiabilidade desse planejamento. A formulação de políticas públicas na área de energia é uma típica atividade de governo, enquanto que o exercício da regulação constitui-se em uma atividade de Estado, calcada na regulamentação da legislação vigente e exercida sob uma perspectiva de longo prazo. A atividade de planejamento possui ambas as características; de um lado ela propicia um suporte quantitativo na formulação das políticas energéticas do governo e do outro ela deve sinalizar à sociedade metas de longo prazo, que extrapolam em geral o mandato do governo e freqüentemente fornecem elementos essenciais para uma boa execução da atividade de regulação. Logo, uma estrutura organizacional eficaz para a execução dos exercícios de planejamento deve contemplar essas suas duas características. Atualmente tanto o MME como o Comitê Coordenador do Planejamento da Expansão
dos Sistemas Elétricos – CCPE, que elabora os planos decenais para
o setor elétrico, não estão devidamente aparelhados para
realizar um bom planejamento da expansão, nem para o setor elétrico
quanto mais os estudos mais abrangentes aqui assinalados. Logo, ambos precisam
ser urgentemente reestruturados. Cabe ao MME definir os estudos de planejamento
necessários para se quantificar metas para as potenciais políticas
energéticas analisadas pelo CNPE, ou seja, os estudos de caráter
mais conjuntural, enquanto se necessita um sucedâneo do CCPE, como um
órgão de apoio do Ministério, para a execução
dos exercícios de planejamento da expansão de caráter mais
estrutural, tais como planos decenais e planos de longo prazo, para o setor
energético como um todo. O novo modelo do setor elétrico brasileiro,
aprovado em março de 2004 (Leis nos 10.847 e 10.848), criou a Empresa
de Pesquisa Energética – EPE, para suceder ao CCPE como órgão
de apoio ao MME nas suas atividades de planejamento; até novembro de
2004, no entanto, ele ainda não foi instalado. Sérgio Valdir Bajay é Professor do Departamento de Energia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e pesquisador do Núcleo Interdisciplinar de Planejamento Energético da Unicamp. Diretor do Departamento Nacional de Política Energética do Ministério de Minas e Energia de abril de 2001 a dezembro de 2002.
Bajay, Sergio Valdir (2001). Reestruturação do MME e Criação
de um Órgão de Apoio, Relatório Técnico do Departamento
Nacional de Política Energética, Secretaria de Energia, Ministério
de Minas e Energia, Brasília. |
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Atualizado em 10/12/2004 |
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