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http://www.comciencia.br/reportagens/2004/09/03.shtml

Autor: Marcia Tait
Data de publicação: 10/09/2004

Proposta de ciclo inicial de formação:
Para dar certo modelo não pode ser imposto

Entre as propostas que envolvem a reestruturação de programas e conteúdos na pauta da reforma universitária há uma que aborda especificamente a implementação nas universidades de um modelo de 'ciclo básico' ou do ciclo inicial de formação. O pano de fundo dessa proposta é a percepção de que são necessárias mudanças na forma como se produz e dissemina o conhecimento nas universidades. Isso seria feito, principalmente, através de mudanças na estrutura, conteúdo e direcionamento da grade curricular das universidades.

A forma de implementação e as principais diretrizes desse modelo ainda não estão definidas. Mas, não existiria, segundo afirma o Ministério da Educação (MEC) no documento Reforma da Educação Superior, a intenção de oferecer uma proposta fechada e, sim, oferecer um modelo “que não se pretende único à medida que seriam incentivadas diversas e simultâneas experiências no país”. Para Ronaldo Mota Secretário Executivo do Conselho Nacional de Educação (CNE), é importante esclarecer que o ciclo básico, como já existiu no passado em universidades brasileiras, é diferente do ciclo inicial de formação proposto pelo MEC. “O ciclo básico, em geral, é constituído de forma fechada e isolada das demais etapas e, em geral, adotado de forma universal”, afirmou o secretário.

No modelo de ciclo inicial existiria a possibilidade, dependendo da estrutura adotada por cada instituição de ensino superior, do aluno cursar além das disciplinas básicas outras da carreira específica que optar. “O mais importante é que o aluno, preferencialmente nos primeiros anos, entrará em contato com um conjunto de disciplinas de caráter multidisciplinar que conectam várias áreas do conhecimento e propiciarão uma formação abrangente”, salientou Mota.

Ainda segundo o documento do MEC, através do ciclo inicial de formação, todos os estudantes do ensino superior passariam por uma formação básica com duração mínima de dois anos onde seriam oferecidas disciplinas de caráter geral que “contribuam para promover a formação multidisciplinar e fortalecer as capacidades de compreensão e de expressão oral e escrita, assim como de conceitos de ciências em geral, visando o pleno desenvolvimento da capacidade crítica e criativa”. Após esse período, o estudante receberia um certificado de 'Estudos Universitários Gerais', sem valor de habilitação profissional, que apenas atestaria à formação básica em nível superior.

Para William Campos, ex-Secretário de Educação do Estado do Rio, a prioridade seria o estudo da língua portuguesa e cidadania que tentaria fazer uma “correção de eventual deficiência do ensino médio”. “A vantagem dos ciclos iniciais é permitir que as universidades formem universitários mais plenos, com base mais sólida, evitando que ele seja especialista só naquilo que se propõe”, argumentou Campos. A implementação dessa proposta, segundo Campos, ocorreria após a aprovação da Lei da Reforma Universitária no Congresso, com um prazo ainda a ser estipulado junto às universidades.

Sobre a maneira como se daria a implementar do ciclo inicial, parece haver um consenso sobre a necessidade de que o modelo escolhido seja elaborado e experimentado no âmbito de cada universidade.“Qualquer solução messiânica, centralizada, hierárquica, imposta de Brasília para baixo, está fadada ao fracasso. Não há mais espaço para soluções desse tipo. Elas precisam ser construídas na diversidade das faculdades”, ponderou Alfredo Gontijo de Oliveira, professor do Departamento de Física da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Para ele, o principal fator da crise pela qual passa a universidade brasileira, é a crise de conteúdo aliada a uma mentalidade acadêmica extremamente conservadora que por sua vez estariam intimamente ligadas a forma como o conhecimento é produzido e ensinado. “Os conteúdos acadêmicos são hoje anacrônicos. Há uma separação nociva entre os vários setores do conhecimento, entre as chamadas ciências básicas e aplicadas”, acrescentou Oliveira.

De acordo com ele, com a explosão do conhecimento houve uma extrema especialização nos estudos que vai justamente contra a idéia de multidiciplinalidade e de valorização do conhecimento básico presente na proposta do ciclo inicial de formação. “Acredito que a alternativa mais viável seja trabalhar nesses ciclos com o que chamo de 'conjunto manuseável e consistente de experimentos', dentro de cada área de conhecimento. Isso permitiria ao aluno exercitar a prática científica e humanística dentro da situação atual de explosão de conhecimento e a partir daí criar sua própria metodologia para usar esse conhecimento em outras realidades”, acrescentou.

Outro problema segundo o pesquisador, seria a mentalidade presente na sociedade de maneira geral, de que a formação superior deve ser voltada para o mercado de trabalho e concluída num período de tempo mais curto possível. Isso, aliado a um modelo de ensino superior que não oferece alternativas de formação diferenciada, acabaria gerando uma incompatibilidade entre a demanda dos jovens que procuram o ensino superior e o tipo de ensino oferecido. “Para que um país tenha sucesso na formação de ensino superior, acredito que deva existir o que gosto de chamar de zoológico institucional”. Esse zoológico seria composto por diversos modelos de instituições de nível superior capazes de oferecer formação diferenciada de acordo com as necessidades da sociedade e dos jovens que buscam o ensino superior. Para isso, deveria aumentar a oferta de escolas de nível superior que oferecem ensino voltado à formação técnica e outros tipos de formação que não estão presentes nos modelos de universidades que predominam hoje no sistema brasileiro de ensino superior.

Além de uma formação mais sólida e multidiciplinar existiriam outras vantagens no modelo de ciclo inicial de formação que dizem respeito à escolha profissional dos alunos. Especialistas do MEC acreditam que esse tempo maior em contato com conhecimentos mais abrangentes sem a definição de uma carreira, mesmo que de alguma forma direcionados a algum campo de atuação profissional, deve evitar escolhas equivocadas e prematuras e diminuir a evasão de alunos das universidades. “É importante reconhecermos que há uma perigosa definição prematura da carreira, o que pode ser evitado se houver uma maior mobilidade dos estudantes ainda nas etapas iniciais de sua formação”, argumentou Mota.

Apesar de ainda haver muitos pontos reticentes na proposta de implementação do ciclo básico de formação nas universidades, parece existir um consenso entre docentes, alunos e pessoas que lidam com políticas educacionais de que as mudanças são necessárias e a proposta pode ser positiva se construída de maneira cooperativa entre universidades e governo.

(MT)

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Atualizado em 10/09/2004

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