Pesquisador
aponta falhas no desenvolvimento de tecnologia militar
O desenvolvimento
de
tecnologia militar no Brasil, prioridade no período da
ditadura, atualmente deixou de ser o foco das políticas do
governo. Apesar de algumas iniciativas do Ministério da
Defesa, não há estímulo ao
desenvolvimento da
tecnologia militar, nem integração dessa
área
com uma política única de Ciência e
Tecnologia
(C&T), conforme afirma o pesquisador de assuntos militares da
Universidade Federal de Juíz de Fora, Expedito Carlos
Stephani
Bastos.
Esse tipo de tecnologia
é chamada dual, ou seja, é desenvolvida
inicialmente
para o setor militar, mas com as devidas
adaptações
pode ser muito útil para o setor civil. Um bom exemplo
é
a Internet, criada no período da Guerra Fria para manter a
comunicação das bases militares dos Estados
Unidos,
mesmo que o Pentágono sofresse um ataque nuclear. Acabou se
tornando uma das ferramentas mais utilizadas pela sociedade.
O problema é que
nem sempre essas tecnologias são aproveitadas da forma como
deveriam. No Brasil, as empresas privadas não têm
interesse em vender suas tecnologias para as forças armadas,
pois, segundo Expedito Bastos, negociar com o governo não
é
lucrativo, as empresas acabam quebrando. A iniciativa privada
não
quer correr riscos, uma vez que o governo não possui um
projeto a longo prazo para renovação de
equipamentos
militares, nem uma política de compras mínimas
que
justifique os investimentos em pesquisas,
produção de
protótipos e pré-séries (bens
produzidos
anteriormente ao lançamento formal).
Já as estatais,
como a Imbel, trabalham com prejuízo. As
matérias-primas
saem mais caras que o produto e, na ausência de compras
mínimas, a quantidade vendida simplesmente não
compensa
para a empresa produtora. As empresas multinacionais que operam em
outros países são mais atraentes, pois oferecem
produtos mais baratos. A conseqüência é
uma
situação de dependência externa,
agravada pelo
alto preço dos produtos que envolvem tecnologia militar.
Para
se ter uma idéia, um tanque de guerra custa cerca de US$ 6
milhões e um veículo de rodas, € 3
milhões e
200 mil.
Outra crítica
feita por Bastos refere-se às exigências de
padrões
de blindagem para veículos não militares. As
forças
armadas impedem que o nível de blindagem dos
veículos
não militares sejam os mesmos que o de veículos
militares, o que na sua opinião é um
resquício
equivocado da década de 1960, do regime militar. Assim,
veículos que transportam valores de bancos, por exemplo,
possuem blindagem inferior a de veículos do
exército.
Bastos lembra também que as universidades não
participam ativamente da geração de tecnologia
militar
e que até as publicações
especializadas perderam
títulos importantes.
O pesquisador da UFJF
afirma que as principais empresas na área de tecnologia
militar estão concentradas nas regiões Sudeste e
Sul do
país. Muitas empresas quebraram, como a Spasa Trading (uma
subsidiária da Alpargatas que produzia equipamentos
militares), porque é difícil sobreviver nesse
mercado,
fortemente pressionado pela concorrência externa. Segundo
Bastos, os produtos externos são quase sempre mais baratos e
de melhor qualidade. Atualmente não existem no Brasil
empresas
que produzam caminhões militares, apenas montadoras que
adaptam os caminhões para a função
militar.
Pesquisa
De acordo com Expedito
Bastos, praticamente não há universidades
desenvolvendo
tecnologia militar no Brasil. A Faculdade de Engenharia de
Mauá,
em São Paulo, é uma exceção
e desenvolve
estudos nessa área, além de produzir
protótipos
de veículos civis. Alguns de seus alunos foram contratados
por
um grupo especializado em blindagens de automóveis e
produtos
de proteção balística, para
desenvolverem o
projeto de um veículo militar, mas infelizmente, na
visão
do pesquisador, a iniciativa fracassou. Outras universidades, como a
USP, por exemplo, possuem núcleos de estudos
estratégicos
que analisam o aspecto político da área de
Defesa, mas
não desenvolvem tecnologias.
Em 2002 foram definidas
as diretrizes estratégicas para o Sistema de
Ciência,
Tecnologia e Inovação do Ministério da
Defesa
(SisCTID), resultante de estudos feitos em conjunto pelo MD e setores
da comunidade acadêmica e industrial. Ao longo do ano de
2003,
o ministério reuniu pesquisadores e empresários
de São
Paulo, Campinas, São José dos Campos e Rio de
Janeiro
para integrar grupos de trabalhos e debater modelos de parceria,
visando delinear uma proposta para a integração
da
pesquisa civil e militar brasileira.
O Grupo Regional do
estado de São Paulo identificou e hierarquizou 23
tecnologias
de interesse nacional: fusão de dados;
microeletrônica;
sistemas de informação; radares de alta
sensibilidade;
ambiente de sistema de armas; materiais de alta densidade
energética;
hipervelocidade; potência pulsada;
navegação
automática de precisão; materiais compostos;
dinâmica
dos fluidos computacionais - CFD; sensores ativos passivos;
fotônica;
inteligência de máquinas e robótica;
controle de
assinaturas; reatores nucleares; sistemas espaciais;
propulsão
com ar aspirado; materiais e processos em biotecnologia; defesa
química, biológica e nuclear;
integração
de sistemas; supercondutividade; e fontes renováveis de
energia.
No que tange à
participação da indústria nacional no
SicTID, em
janeiro de 2005, o então diretor do Departamento de
Logística
do Ministério da Defesa, Antônio Hugo Pereira
Chaves,
anunciou que o Ministério da Defesa está
empenhado em
reativar a indústria bélica nacional, de modo a
reduzir
a dependência de importação de
equipamentos e
tecnologias considerados estratégicos e aumentar as
exportações. Esse projeto contempla sete
ações:
campanha pela indústria de defesa nacional; fim da
dependência
externa; redução de carga tributária;
aquisição
de produtos de defesa da indústria nacional pelas
Forças
Armadas; melhoria da qualidade dos produtos nacionais; aumento da
competitividade dos produtos para exportação; e
melhoria da capacidade de mobilização da
indústria.
O Ministério da Defesa foi procurado para comentar esses
projetos e seus resultados, mas não forneceu qualquer
informação até o momento.
Segundo
Expedito
Bastos, entre os pontos importantes para a reversão desse
quadro, destacam-se a necessidade de uma
participação
estatal direta e concreta, propiciando o apoio necessário
à
fabricação, promoção e
comercialização
dos produtos de defesa, assim como a importância de uma
estratégia visando a implementação de
medidas
que permitam a sobrevivência da indústria
brasileira de
material de defesa, apoiada na Política Nacional de Defesa,
que terá como meta a exportação de
materiais de
defesa.
Para que esses
objetivos sejam alcançados, é preciso, segundo o
pesquisador, implementar a desoneração fiscal
buscando
a produção no Brasil com mesma carga que se
oneram
produtos importados (hoje produto importado tem alíquota
zero
enquanto os produzidos no país são onerados em
42% só
de impostos), mostrar que produtos brasileiros são de
qualidades similares a alguns importados, haver um orçamento
impositivo na área de defesa e não a
ficção
que hoje impera, e abrir linhas de financiamento para o
desenvolvimento de Produtos de Defesa com
aquisição de
pré-séries.