Pesquisadoras
criticam qualidade das informações climáticas
O
destaque cada vez maior que os veículos de comunicação
dão aos fenômenos meteorológicos e climáticos
vem despertando o interesse de pesquisadores da área das
ciências atmosféricas sobre a qualidade com que essas
informações estão sendo divulgadas pela mídia
e como elas influenciam na percepção das pessoas.
“Muitas vezes, a precisão nas informações
sobre tempo e clima é a diferença entre vida e morte”,
destaca a geógrafa Lucí Hidalgo Nunes, do Instituto
de Geociências da Unicamp, referindo-se à relevância
do acesso a esse tipo de informação como forma de
diminuir a vulnerabilidade das pessoas frente aos riscos ambientais.
Para
exemplificar sua afirmação, a pesquisadora lembra
do caso do furacão Catarina, que atingiu parte do litoral
do Rio Grande do Sul e de Santa Catarina em março de 2004
e provocou a morte de 11 pessoas, além de grandes prejuízos
econômicos. Na ocasião, a população
de Santa Catarina foi informada pelo rádio sobre como identificar
os sinais de evolução do furacão e como se
proteger dele. “Nesse caso, foi uma junção
da comunidade científica com a mídia trabalhando
de maneira muito séria e, com isso, muitas pessoas certamente
foram salvas”, destaca a geógrafa.
O
exemplo retrata uma situação de exceção
não somente pela raridade do fenômeno (foi o primeiro
furacão registrado no Brasil), mas também porque
a divulgação de informações com qualidade
parece não ser a regra que prevalece na mídia. A
própria pesquisadora da Unicamp fez essa constatação
ao avaliar a cobertura realizada por pelo jornal “O Estado
de São Paulo” sobre o fenômeno El Niño,
entre 1997 e 1998. Na pesquisa, que faz parte de um projeto mais
amplo desenvolvido em conjunto com pesquisadores da Argentina
e do Paraguai, Lucí Nunes analisou sistematicamente todas
as matérias que se referiam ao fenômeno veiculadas
nas 396 edições do jornal publicadas entre maio
de 1997 e maio de 1998, correspondente ao período de maior
intensidade do El Niño daquela ocasião. A pesquisadora
avaliou cada notícia em relação à
qualidade e precisão das informações do ponto
de vista científico, bem como o espaço e destaque
dados a ela e o tema abordado.
Embora
tenha encontrado notícias de boa qualidade, a prevalência
foi de matérias com informações imprecisas
ou equivocadas. Também houve muitos exageros: “O
El Niño foi relacionado a quase tudo”, aponta a pesquisadora,
fazendo referência ao fato de eventos sem nenhuma ligação
com o fenômeno terem sido associados a ele, como foi o caso
de uma notícia que atribuía ao El Niño um
evento meteorológico ocorrido na Rússia, região
que não sofre os efeitos do fenômeno.
Além
disso, o sensacionalismo na cobertura foi marcante e as incertezas
que a comunidade científica tinha a respeito da evolução
do fenômeno não foram comunicadas de maneira adequada
ao público, pois não era possível distingüir
claramente pelas matérias entre o que era conhecido pelos
cientistas e aquilo que eles desconheciam ou tinham dúvidas.
Como conseqüência, afirma a geógrafa, a imprensa
criou uma expectativa falsa sobre a intensidade do El Niño,
já que os impactos do fenômeno no sudeste do Brasil
não foram tão grandes como se poderia supor lendo
as notícias divulgadas à época. Comparando
aquela cobertura com a feita atualmente, Lucí Nunes acredita
que, apesar de ter havido melhora na divulgação
das informações a respeito das ciências atmosféricas,
alguns problemas crônicos ainda persistem e se devem tanto
à falta de especialização dos jornalistas
para cobrir a área como à dificuldade dos cientistas
se comunicarem de um modo compreensível com os jornalistas.
Para
a também geógrafa Maria da Graça Sartori,
da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM-RS), esses problemas
são bastante evidentes na divulgação que
vem sendo feita sobre as mudanças climáticas globais.
“Exagerada e parcial”, resume ela, apontando quais
os principais problemas que detecta nesta cobertura. O exagero
é dado, segundo a pesquisadora, pela espetacularização
e catastrofismo que são usados nas notícias para
atrair a atenção do público, apontando como
conseqüência do aquecimento global qualquer variação
nas condições climáticas que ocorrem normalmente
quando se compara, por exemplo, uma mesma estação
em anos sucessivos. Segundo ela, é isso ocorre atualmente
com as notícias sobre ondas de calor e de frio que atingem,
respectivamente, parte dos hemisférios sul e norte do planeta.
Para
a pesquisadora, o sensacionalismo e a parcialidade que caracterizam
a cobertura feita pelos veículos de comunicação
afetam diretamente a maneira como o público sente e interpreta
os eventos relacionados a tempo e clima, tendo em vista que a
percepção dos indivíduos sobre tais eventos
é cada vez mais intermediada pela mídia. Lucí
Nunes também atribui à mídia um papel fundamental
como intermediadora da percepção climática,
conforme pôde verificar a partir de uma pesquisa de mestrado
que orientou, na qual a pesquisadora avaliou a percepção
climática de moradores do município de Campinas
(SP). “Muito da percepção que uma pessoa tem
se baseia no ela ouve dizer ou vê indiretamente [por meio
de veículos de comunicação], e não
no que ela vivencia”, afirma a pesquisadora, citando os
resultados da pesquisa.