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Auto-reconhecimento indígena é
confundido com boom demográfico

Quando o IBGE lançou em dezembro de 2005 o estudo comparativo dos censos demográficos dos indígenas brasileiros realizados em 1991 e 2000, apontando que a população que se declarou indígena aumentou 150%, a imprensa, talvez impressionada pelos números percentuais, ignorou o fenômeno implícito nesses dados: a conscientização dos indígenas urbanos sobre a própria raça. Utilizando exaustivamente a palavra “crescimento” e apresentando centenas de dados da pesquisa, a mídia supervalorizou as duas hipóteses mais fracas levantadas pelo estudo. A primeira que explora o impressionante crescimento vegetativo dessas populações, e a segunda que destaca o aumento sem precedentes do fluxo de imigração internacional de indígenas originários dos países limítrofes, como a Bolívia, Equador, Paraguai e Peru, para as grandes cidades brasileiras.

As explicações para esses números ainda são controversas e necessitam de uma análise mais aprofundada. Contudo, a hipótese mais plausível apontada pelos pesquisadores que desenvolveram o estudo é a de que muitas pessoas que se auto-classificaram em outras categorias de cor ou raça no censo de 1991, declararam ser indígenas no de 2000. Nesse grupo, incluem-se tanto os indígenas urbanizados pertencentes a etnias específicas como pessoas que se classificaram genericamente como indígenas.

A demógrafa Heloisa Pagliaro, uma das representantes do Comitê de Demografia dos Povos Indígenas da Associação Brasileira de Estudos Populacionais (ABEP) que participou em conjunto com o IBGE da pesquisa, argumenta que, embora o crescimento vegetativo e o número de imigrações indígenas possam ter aumentado muito, é um exagero creditar os 150% de indígenas a mais que apareceram no censo de 2000 a esses fatores. “Acreditamos que esse crescimento se deve, principalmente, aos indígenas das áreas urbanas que, no último censo, se reconheceram pertencentes a esta raça. Estamos agora procurando compreender melhor esse fenômeno”.

O primeiro censo nacional que levantou informações sobre essa população foi o de 1991, que incluiu a categoria indígena na variável cor ou raça, para diferenciá-los dos pardos. A inclusão da classificação no censo demográfico beneficiou o status social do cidadão indígena. Somado a isso, o trabalho dos movimentos indígenas e das entidades de apoio se fortaleceu nos últimos vinte anos e conquistou representatividade política. “Essas transformações podem ter colaborado para que os indígenas que vivem nas cidades tomassem consciência de que descendem de uma raça, embora já não compartilhem mais de alguns elementos dessa cultura”, comenta Pagliaro.

Apesar do aprimoramento das pesquisas, as informações sobre as populações indígenas brasileiras, que somam mais 220 etnias, falantes de cerca de 180 línguas diferentes, estão ainda muito aquém do necessário. Segundo a pesquisadora, “há ainda muito que fazer neste campo de estudos quase inexplorado, sobretudo no que tange aos indígenas moradores das áreas urbanas, que vivem marginalizados, em péssimas condições de saúde e de sobrevivência”.

O levantamento de 1991 foi feito somente com índios moradores de missões religiosas, postos indígenas da Funai e áreas urbanas, ignorando os que habitavam áreas onde a fundação não mantinha postos instalados. Em 2000, o censo se estendeu a todas as Terras Indígenas do país, além das áreas rurais e urbanas. Mas faltou levantar a etnia ou o povo específico ao qual a população de cada uma das tribos faz parte, como é feito em outros países da América Latina, como o Paraguai. Esta categoria será acrescentada no próximo censo, em 2010, quando, quem sabe, também poderemos conhecer melhor as causas do crescimento de 150% dos indígenas entre 1991 e 2000 e nos impressionar menos com a magnitude dos números.

Leia mais:
“Demografia dos Povos Indígenas no Brasil”, de Heloisa Pagliaro, Marta Azevedo e Ricardo Ventura Santos. Publicado pela Editora Fiocruz em agosto de 2005.

“Tendências Demográficas – Uma análise dos indígenas com base nas amostras dos Censos Demográficos de 1991 e 2000”. Publicado pelo IBGE em dezembro de 2005.

Atualizado em 03/02/06
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