Iemanjá
atrai devoção católica
Flores e barcas repletas de oferendas (comidas, bebidas, espelhos,
perfumes e bijuterias) são lançadas ao mar no reveillon
brasileiro. Na passagem do ano, mesmo quem não tem nenhuma
religião acaba se vestindo de branco, pulando ondas, acendendo
velas brancas e fazendo o seu pedido especial para Iemanjá,
a Deusa do Mar. O curioso é que este Orixá não
atrai apenas devotos de religiões afro-brasileiras, mas
principalmente católicos, de classe média e com
bom nível de escolaridade. Essa é uma das constatações
da dissertação em Ciências da Religião
na PUC-SP “Tenha fé, tenha confiança, Iemanjá
é uma esperança: um estudo à luz da psicologia
analítica do fenômeno do iemanjismo, entre os não
devotos das religiões afro-brasileiras”, da psicóloga
Estela Noronha, orientada pelo professor Enio José da Costa
Brito. O estudo analisou o sincretismo deste Orixá no universo
religioso brasileiro, resultado da influência das tradições
africanas, européias e indígenas.
A
veneração a este Orixá vem ultrapassando
os limites dos terreiros e vem crescendo no imaginário
popular, como grande mãe e figura feminina. Ela aparece
com a postura de uma santa católica, com as mãos
para o céu, mas com a roupa colada no corpo, ressaltando
suas curvas. “Sua grande popularidade se deve ao fato de
resgatar valores importantes negligenciados pela sociedade patriarcal
e pela sociedade cristã em geral, como a afetividade, a
sensualidade e o erotismo inerentes nas relações
humanas”, diz Estela Noronha. “Ninguém imagina
um homem olhando para a estátua de Nossa Senhora Aparecida
e exclamando que ela é uma delícia. Mas Iemanjá,
mesmo sendo vivenciada como santa pelo catolicismo popular, permite
tal projeção sem culpas ou qualquer traço
de desrespeito”, explica.
Segundo
a pesquisadora, o catolicismo popular está mais voltado
para os pedidos imediatos (saúde, dinheiro, amor e prosperidade)
e não apresenta a mesma rigidez da igreja tradicional.
A psicóloga constatou que esse culto sinaliza a rebeldia
às submissões hierárquicas e a crise de algumas
instituições religiosas. “Essas pessoas buscam
um sentido existencial individualista, centrado no cotidiano e
na valorização do sentimento”, avalia.
Ter
uma santa que simboliza o lado materno, mas também força
e beleza, é muito importante tanto para a mulher quanto
para o homem, porque ressalta a busca incessante por nós
mesmos e pelo nosso oposto, de acordo com a pesquisa de dissertação.
“O homem também tem o aspecto feminino dentro de
si, e isso faz com que ele trabalhe melhor as relações,
a afetividade e o sentimento”, comenta Estela Noronha.
A
idéia de estudar a figura de Iemanjá surgiu quando
a psicóloga passava férias em Cabo Frio, em 2002,
e ficou espantada com o número de oferendas. Ela conta
que nunca foi devota, mas quando começou a pesquisa acendeu
uma vela a Iemanjá e depois ganhou uma imagem de um paciente.
Para realizar a pesquisa de campo, Estela Noronha entrevistou
apenas pessoas que não pertenciam às religiões
afro-brasileiras ou se diziam ateus e que estivessem realizando
algum tipo de oferenda na Praia Grande e na Praia da Ponta, em
Santos, no litoral de São Paulo.
Iemanjá
é popularmente cultuada em todo o Brasil no dia 31 de dezembro,
mas há festas em sua homenagem também no dia 8 de
dezembro, na Praia Grande, litoral sul de São Paulo, e
em 2 de fevereiro, em Salvador, na Bahia. O fenômeno tem
crescido tanto que Iemanjá passou a ser celebrada também
no lago artificial de Brasília e na lagoa da Pampulha,
em Minas Gerais. “Hoje, ela não é apenas a
rainha do mar, mas das águas”.