Infecção
por fungos pode contribuir para a extinção de anfíbios
brasileiros
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A
rã-de-corredeira, na qual foram detectados casos de
quitridiomicose. Foto: Célio Haddad |
O fungo Batrachochytrium dendrobatidis, causador da quitridiomicose,
tem sido associado ao declínio de espécies de anfíbios
em várias regiões do mundo. O primeiro registro
brasileiro de infecção por quitrídios acaba
de ser relatado por Felipe Toledo, do Laboratório de Herpetologia
da Universidade Estadual Paulista (Unesp) de Rio Claro, e colaboradores,
na revista especializada Amphibian
& Reptile Conservation (volume 4, número 1,
2006). A doença foi detectada na rã-de-corredeira
(Hylodes magalhaesi), uma espécie que só
ocorre em regiões elevadas da nossa Mata Atlântica.
O declínio de anfíbios tem sido alardeado por conservacionistas
e biólogos, pois um grande número de extinções
e reduções populacionais foi detectado em várias
regiões do mundo. Isso ocorre porque esses animais são
extremamente sensíveis a alterações ambientais
e por isso correm maior risco de extinção. O Brasil
tem a maior diversidade mundial de anfíbios anuros (sapos,
rãs e pererecas). Esses animais merecem a preocupação
dos cientistas, pois boa parte dessas espécies vive no
cerrado e na Mata Atlântica, ecossistemas nos quais há
sérios problemas de desmatamento. No entanto, declínio
de anfíbios foi também detectado em regiões
protegidas, onde não há problema de perda de habitat.
Nesses casos os cientistas ainda não compreendem bem o
que leva à redução das populações,
mas bons candidatos são mudanças climáticas
globais, poluição e agentes infecciosos, como os
quitrídios.
A quitridiomicose ataca a boca de girinos, que passa a apresentar
deformações e perda de dentes. Em adultos, o fungo
se aloja em certas regiões da pele. Não se sabe
bem como a doença age, mas observações de
animais encontrados mortos ou que morrem durante manuseio muitas
vezes coincidem com infecção por quitrídios.
Além disso, o fungo foi também detectado em regiões
com comprovado problema de declínio de anfíbios.
O caso específico da rã-de-corredeira é delicado,
pois ela aparece na lista
vermelha da União Mundial para a Natureza (UICN, na sigla
em inglês) como "dados insuficientes", o que quer
dizer que o conhecimento disponível não é
suficiente para avaliar seu risco de extinção (leia
notícia
sobre esta questão na ComCiência). Até agora
são conhecidas somente duas populações da
espécie, nos estados de São Paulo e Minas Gerais,
sendo que a quitridiomicose foi detectada somente na população
mineira. "Se o fungo estiver causando declínio, ele
ocorrerá numa população só",
afirma Toledo, autor do artigo.
No entanto, não está provado que a quitridiomicose
seja responsável pelo declínio de espécies
de anfíbios. Ana Carolina Carnaval, do Museu de Zoologia
de Vertebrados da Universidade da Califórnia em Berkeley
e co-autora do artigo sobre a rã-de-corredeira, acredita
que o fungo não é por si só responsável
pelas extinções observadas. Segundo ela, foi detectada
quitridiomicose em populações que não estão
em declínio. A pesquisadora diz que se trata de uma questão
de sinergismo, em que um problema exacerba o outro. Neste caso,
é possível que anfíbios fossem portadores
resistentes ao fungo, mas desenvolveram a doença quando
deparados a outros desafios debilitantes, como aumento de poluição,
perda de habitat ou outras alterações ambientais.
O fato do primeiro relato de quitridiomicose estar sendo publicado
agora não quer dizer que o fungo seja novidade no Brasil.
"O fungo sempre esteve aqui, mas só começamos
a estudá-lo após 'ficar na moda'", diz Toledo.
A 'moda' que ele se refere começou devido aos estudos que
puseram em evidência o declínio
global de anfíbios. De acordo com a especialista da
Universidade da Califórnia, há indícios de
que o fungo B. dendrobatidis já existia no Brasil
nos anos 1980.
O estudo de Felipe Toledo e colegas põe em evidência
várias questões, que deverão ser respondidas
em pesquisas futuras. De forma geral, para que se possa avaliar
o papel dos quitrídios no declínio de anfíbios
será necessário compreender seu modo de ação
e sua interação com os animais infectados. Por exemplo,
é possível que animais com quitridiomicose sejam
resistentes e desta forma portadores da doença, que poderá
ser transmitida a indivíduos ou espécies mais sensíveis.
É também preciso determinar se a população
de rãs-de-corredeira examinada no artigo de Toledo está
em declínio, e se este poderia ser causado pelo fungo.
"Na enorme maioria das vezes o declínio de uma espécie
é causado por uma conjunção de fatores e
com freqüência a perda de habitat é o principal.
Esta espécie parece estar ocorrendo em áreas conservadas,
então se estiver ocorrendo declínio será
por outros fatores além de perda de habitat. Quem sabe
o fungo ou poluição nos riachos?", questiona
Toledo.