Cálculo esclarece sobre comércio internacional
e uso sustentável da água como commodity
Através do cálculo da quantidade de água
que se utiliza para a produção de commodities
(água virtual), pesquisadores do Núcleo de Estudos
de População (Nepo), da Unicamp, podem entender
melhor como funciona o comércio internacional entre os
países que possuem escassez e os que possuem abundância
de recursos hídricos. Trata-se de uma perspectiva inédita
no gerenciamento de recursos hídricos que foi publicada
no artigo Água Virtual: O Brasil como grande exportador
de recursos hídricos, apresentado no XVI Simpósio
Brasileiro de Recursos Hídricos, que aconteceu no final
do ano passado em João Pessoa, na Paraíba.
A
partir desse conceito, os pesquisadores sabem o quanto de água
virtual os países exportam ou importam e encontrar maneiras
sustentáveis da utilização deste recurso.
Segundo Roberto Luiz do Carmo, pesquisador do Nepo, sociólogo
e doutor em demografia, o Brasil é um grande exportador
de água virtual através da soja e da carne bovina.
Em média, cada quilo de soja exige dois mil litros de água
para ser produzido. Já o quilo da carne bovina exige 43
mil litros de água. Neste cálculo entram não
só a água consumida diretamente pelo animal, que
varia de 50 a 60 litros por dia, mas também a água
utilizada na produção da alimentação
do gado.
Carmo
lembra que o Brasil é o segundo maior país detentor
de água doce do mundo, atrás somente do Canadá,
e por isso é lógico que utilize economicamente este
recurso. A questão levantada pelo sociólogo é
sobre a sustentabilidade a médio e longo prazo desse processo.
“A expansão da produção de soja na
Amazônia, por exemplo, traz conseqüências tanto
sociais como ambientais”, diz. Além do desmatamento,
a expansão da soja pode comprometer as fontes de água
doce e ainda desarticula os pequenos agricultores que são
incorporados pelos grandes latifúndios e se vêem
obrigados a ir para os centros urbanos.
Dados
do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio
Exterior indicam que a exportação de água
virtual vem crescendo ao longo dos últimos anos. Em 2002,
o país exportou 52,2 bilhões de metros cúbicos
(m3) de água virtual, em 2003 foram 65,5 bilhões
m3 e no ano seguinte este número subiu para 73,8 bilhões.
A pesquisa aponta para o fato de que a agricultura consome 60%
do total de água utilizada no país, mais do que
o consumo industrial e doméstico juntos.
O
Instituto para a Educação da Água da Unesco
e o World Water Council alegam que a política
de comércio de água virtual alivia a pressão
sobre os países que possuem poucos recursos hídricos,
mas este comércio deve vir acompanhado de uma política
de conscientização para o uso de produtos que demandem
uma quantidade menor de água.
O
consumo de produtos que necessitam de muita água para sua
produção é alto no mundo, como por exemplo,
a soja e o arroz. Já os produtos como o milho e a batata,
que necessitam de menos água para produção,
são menos consumidos. Carmo argumenta que uma das saídas
para um planejamento sustentável da utilização
de recursos hídricos é a reestruturação
do cardápio. A própria globalização
traz aspectos negativos nesse sentido, “a disseminação
da comida tipo fast food, baseada em hambúrguer
e refrigerante (produtos que demandam muita água para a
produção), não é boa do ponto de vista
do gerenciamento dos recursos hídricos”, diz o pesquisador
Outra
saída para a sustentabilidade é o planejamento da
agricultura. Isso significa que a agroindústria não
deve somente se preocupar com lucro a curto prazo, como é
o caso das plantações de soja na Amazônia.
A longo prazo as conseqüências são a escassez
de recursos hídricos e a depredação da biodiversidade.
Roberto Carmo afirma ainda que o Estado deve estabelecer um planejamento
para uma exploração racional desses recursos.
A
pesquisa levanta também a questão da segurança
hídrica, que é o mínimo de água que
cada cidadão precisa diariamente. A ONU estabelece que
este mínimo é de 100 litros por dia, mas o consumo
médio no mundo varia de 50 a 150 litros ao dia. Esse número,
no entanto, é polêmico: “em uma cidade grande
com água encanada é difícil fazer esse cálculo
e em muitos casos o consumo de água diário supera
os 150 litros”, diz o pesquisador. Além disso, o
consumo varia de acordo com a disponibilidade de água de
cada país.
A
segunda etapa da pesquisa começa este ano e se divide em
duas frentes: em um primeiro momento os pesquisadores vão
estudar o destino da soja que é exportada e qual a implicação
direta na eficiência dos recursos hídricos; a segunda
parte é o estudo da plantação de eucaliptos
no cerrado, região que possui pouca água.