Debate
expõe divergências sobre
construção de usina no Xingu
No dia 23 de novembro, uma mesa redonda de lançamento do
livro Tenotã Mõ. Alertas sobre as conseqüências
dos projetos hidrelétricos no rio Xingu, organizado
pelo professor da Faculdade de Engenharia Mecânica da Unicamp,
Oswaldo Sevá Filho, trouxe uma discussão polêmica
sobre a construção da Usina do Belo Monte, no Xingu.
Além de Sevá, estavam na mesa de discussão
Secundino Soares Filho, do Laboratório de Coordenação
da Operação de Sistemas Eletroenergéticos,
da Faculdade de Engenharia Elétrica e Computação,
e Vanessa Lea, do Centro de Pesquisas em Etnologia Indígena
do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, ambos também
da Unicamp. Suas visões eram bem divergentes: o engenheiro
destacou a que a única maneira que o Brasil tem para continuar
no rumo do crescimento econômico é investir em energia
hidrelétrica que, infelizmente, causa impactos ambientais;
já Lea, aponta que a construção da Usina
do Belo Monte, no Xingu, se compara aos projetos dos militares
que transformaram a área em um grande cartão postal
de exportação ilegal de animais.
Soares
Filho explica que as fontes alternativas não têm
a capacidade de atender as demandas em curto prazo e que as duas
principais fontes de geração de energia são
hidroelétricas e termoelétricas. “Se o país
usar todo o potencial de bagaço de cana, conseguirá
atender as demandas de geração de energia para o
país durante um ano apenas”, acredita. Ele afirma
ainda que o Brasil precisa de 3 a 4 mil MW (megawatts) por ano,
e se o país colocar todos os recurso disponíveis
para a geração de energia eólica, seriam
gerados 200 MW eólicos, num prazo de cinco anos. “O
Brasil não tem tecnologia para produzir energia eólica,
sendo que a opção é importar de outros países.
Ao contrário do que acontece com a energia hidroelétrica:
o país já domina a tecnologia, inclusive constrói
usinas em outros países do mundo”, destaca.
“O
grosso do nosso potencial de geração de hidroeletricidade
está na região amazônica e isso é uma
questão que o país tem que analisar e decidir”,
afirma. Soares Filho disse que não há como produzir
energia hidroelétrica sem gerar impacto ambiental. Para
ele, construir novas usinas hidrelétricas é a resposta
certa para apoiar o desenvolvimento e o aumento do consumo interno
no Brasil. “Quando se analisa o benefício de construir
uma usina, o que vale é a relação custo/beneficio.
O custo é de alagar terra, o de construir a usina, o de
deslocar populações. E o beneficio é a energia
que podemos retirar daquela usina”, ressalta.
Soares
Filho destaca que existe uma relação direta entre
consumo per capita de energia elétrica entre os países
e o seu índice de desenvolvimento. “O Brasil consome
e produz energia elétrica abaixo da média mundial,
embora seja uma economia emergente, sendo a décima segunda
maior do mundo”. O mapa abaixo mostra as diferenças
entre os países referentes ao consumo de energia elétrica.
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Fonte:
NASA |
Além
dos impactos ambientais inevitáveis destacados pelo engenheiro
Soares Filho, a antropóloga Vanessa Lea destacou que os impactos
sociais devem ser considerados, pois as populações
que existem no Xingu estão vivendo lá há milênios;
além disso, elas reivindicam seus direitos de participarem
nas decisões que são tomadas a respeito dos rumos
do desenvolvimento para a região norte. Para ela, o projeto
da Usina do Belo Monte é muito semelhante aos projetos dos
militares na época da ditadura. “É burrice produzir
soja e exportação de gado no Norte, sendo que há
uma tremenda biodiversidade da flora e da fauna”, destacou.
Em
resenha
publicada na ComCiência, Oswaldo Sevá
explica que os conflitos entre os interesses das empresas na construção
das hidrelétricas e os interesses dos movimentos sociais
da região levaram à morte, por encomenda, de um
dos líderes do movimento que criticava os projetos de barragens
e incluía esse ponto na sua luta política, em seus
discursos. “Na essência, no vale do Xingu prossegue
uma guerra de desiguais: aventureiros e empresas, livres para
agir, acobertados em seus desmandos, muito bem representados na
máquina pública em todas esferas e instâncias
de poder”, afirma. “Enquanto o povo e os índios
só contam praticamente com eles mesmos, uns poucos abnegados
que os ajudam, e partes da máquina pública, raras,
que conseguem cumprir sua função”, acrescenta.
Sevá destaca em um dos capítulos do livro Tenotã
Mõ o valor intrínseco que os rios têm,
o que ele chama de monumentos fluviais. Ele diz que o termo tem
um valor político cultural, pois “para esses monumentos”,
ressalta, “não existe compensação”
referindo-se a eventuais degradações que eles possam
sofrer.