Interação
entre pesquisadores,
população e poder público
Integrar conhecimentos e ações de instituições
de pesquisa, população e poder público é
o desafio de um projeto desenvolvido na cidade de Campinas (SP).
Financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa
do Estado de São Paulo (Fapesp), o projeto “Recuperação
ambiental, participação e poder público:
uma experiência em Campinas” teve início em
abril de 2003, envolvendo pesquisadores e técnicos do Instituto
Agronômico de Campinas (IAC), Instituto de Geociências
(IG) da Unicamp e Prefeitura Municipal de Campinas, além
da colaboração do Instituto Florestal e das Universidades
de Brasília (UnB) e São Marco (campus de Paulínia-SP).
A
iniciativa é mais conhecida como “Projeto Anhumas”,
pois tem como foco de atuação uma importante bacia
hidrográfica do município paulista: a bacia do ribeirão
Anhumas. O objetivo principal do projeto é realizar um
amplo levantamento de dados sobre meio físico, vegetação
e população da bacia, os quais possam dar suporte
ao planejamento de políticas públicas que promovam
melhorias na qualidade ambiental e nas condições
de vida da população.
A
bacia do Anhumas abrange uma área de aproximadamente 150
km2, sendo que cerca de 50% dela se encontra urbanizada. A heterogeneidade
social na bacia – que abriga quase 300 mil habitantes –
é marcante: condomínios luxuosos em áreas
nobres contrastam com favelas localizadas nos fundos de vales.
Entre os problemas ambientais existentes na bacia, destacam-se
a poluição das águas e o desmatamento.
“A
concepção básica do projeto é a de
que não se consegue resolver os problemas ambientais sem
considerar a questão social”, explica a bióloga
Roseli Torres, pesquisadora do IAC e coordenadora-geral do projeto.
Segundo ela, a participação da população
é fundamental para isso. “Quando elaboramos o projeto,
achávamos que era importante envolver o poder público,
mas não era suficiente. Não queríamos ficar
na dependência de conseguir implementar as ações
somente via poder público; queríamos construir um
vínculo com a comunidade”, revela a bióloga,
que também é uma das idealizadoras do projeto. “O
objetivo é conseguir construir um diagnóstico da
bacia a partir de vários olhares, inclusive o olhar da
comunidade”, complementa.
Uma
das formas de participação mais direta da população
no diagnóstico da bacia se dá no mapeamento de riscos
ambientais. Nessa atividade, moradores e membros de diversas entidades
situadas na bacia são convidados para reuniões públicas
nas quais compartilham seus conhecimentos e experiências
para levantar e localizar os riscos ambientais existentes nos
diferentes setores da bacia (alto, médio e baixo cursos).
Os
geógrafos Archimedes Perez Filho e Salvador Carpi Júnior,
ambos do Instituto de Geociências da Unicamp e responsáveis
por essa parte do projeto, explicam que as informações
e mapas produzidos nas reuniões, depois de compilados e
organizados, são apresentados novamente à comunidade,
servindo de base para proposição de soluções
aos problemas apontados. “Já existem grupos se organizando
para intervir em algumas situações de risco que
foram levantadas na bacia”, destaca Carpi Júnior.
Perez Filho lembra que a reunião com maior número
de pessoas foi a ocorrida para mapeamento dos riscos ambientais
do médio curso da bacia, região onde são
encontradas favelas habitadas por uma população
bastante vulnerável ao risco de inundações.
“A grande participação dessa população
demonstra o interesse em encontrar alternativas para um problema
concreto e frequente”, afirma o pesquisador. Uma das metas
atuais do projeto é ampliar ainda mais o envolvimento da
população, estimulando a articulação
e troca de experiências entre os movimentos organizados
dos diferentes setores da bacia.
Vegetação
nativa e formulações de políticas públicas
Os pesquisadores do projeto diagnosticaram uma situação
extremamente crítica em relação à
vegetação: restam apenas cerca de 3% de cobertura
vegetal nativa na bacia. Segundo Roseli Torres, a maior parte
está contida em fragmentos com áreas inferiores
a 10 hectares, que por estarem isolados uns dos outros, comprometem
sua manutenção. A bióloga destaca ainda que,
nos levantamentos botânicos realizados no âmbito do
projeto, a quantidade de árvores mortas encontradas nessas
áreas fragmentadas é bastante elevada, muitas delas
com sinais de queimadas de origem antrópica (ou seja, provocadas
pela ação humana). Outro problema constatado refere-se
aos fragmentos situados em condomínios fechados de alto
padrão que, a pretexto de promoverem melhorias paisagísticas,
causam alterações na vegetação remanescente
(como introdução de espécies
exóticas).
Com
base nos dados levantados pelo projeto, os pesquisadores pretendem
eleger uma região da bacia que seja prioritária
para conservação e recuperação da
vegetação. Além disso, faz parte das propostas
de políticas públicas o manejo de parques públicos
e a arborização urbana. De acordo com a pesquisadora
do IAC, algumas dessas propostas já foram incorporadas
em decreto municipal.
Segundo
Perez Filho, a intenção é que os demais resultados
do projeto tenham encaminhamento semelhante: “Espera-se
que a prefeitura tenha conhecimento dos resultados e possa aproveitá-los
no seu planejamento”, diz. Contudo, o geógrafo revela
que nem sempre é tarefa fácil trabalhar com o poder
público. “O trabalho acadêmico é muito
mais difícil de ser realizado quando se envolve um órgão
público, que tem uma rotatividade de pessoas e políticas
diferenciadas que ocorrem não só entre gestões,
mas mesmo dentro de uma mesma gestão”, afirma.
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