Qualidade
nos serviços é fundamental para controle da epidemia
O Ministério da Saúde divulgou no dia 30 de novembro
o Boletim Epidemiológico Aids/DST 2005, que traz dados
atuais sobre a doença no país. As regiões
Norte e Nordeste são as que apresentaram dados mais preocupantes,
onde, segundo o boletim, a epidemia cresceu quase 95% entre 1998
e 2004. Maranhão, Pará, Acre e Piauí tiveram
crescimento superior a 100%. Em Roraima, onde a situação
é ainda mais crítica, o aumento foi de 274% nos
anos avaliados. Nas regiões Sul e Sudeste, a situação
é oposta: houve queda no número de pessoas infectadas
pelo vírus. “O Brasil parece abrigar diferentes sub-epidemias
de HIV e, no que se refere à oferta e qualidade dos serviços
disponíveis, essa diversidade também está
presente”, comenta Mônica Malta, psicóloga
e pesquisadora do Centro de Informação Científica
e Tecnológica da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz).
Desde
1996, o governo federal, por meio do Programa
Nacional de Aids, disponibiliza gratuitamente os medicamentos
da terapia anti-retroviral a cerca de 150 mil pacientes. O programa
se tornou referência mundial, mas para que funcione efetivamente,
é imprescindível a aderência da população
às políticas de prevenção e tratamento.
“A qualidade do relacionamento entre pacientes e profissionais
da saúde é muito importante, pois disso depende
a adesão ao tratamento e o modo como os soropositivos encararão
suas possibilidades de continuar a batalhar e também participar
da prevenção da doença”, observa Maria
Lúcia Araújo Sadala, enfermeira e professora da
Unesp de Botucatu.
Sadala
desenvolveu uma pesquisa na Faculdade de Medicina da Unesp de
Botucatu sobre as dificuldades dos profissionais da saúde
na percepção do paciente e do tratamento mais adequado
a cada um. A pesquisa foi publicada no livro Cuidar de pacientes
com AIDS - o olhar fenomenológico, lançado
em 2001. A pesquisadora conta que o relacionamento entre médicos
e pacientes evoluiu, acompanhando os avanços técnico-científicos,
especialmente os recursos farmacológicos. Mas segundo ela,
embora atenuado ou disfarçado, o preconceito ainda existe,
sendo mais ou menos acentuado dependendo do local de atendimento,
do nível sócio-econômico e do preparo dos
profissionais. “Não se tem mais um doente com a aparência
que tinham os primeiros doentes. Mas ainda é grande o medo
de contrair uma doença fatal. Penso que isto mantém
muitos comportamentos discriminatórios, que acontecem também
em outras doenças transmissíveis graves”,
comenta.
Outro
estudo, coordenado pela pesquisadora da Fiocruz, Mônica
Malta, analisou os comportamentos e percepções de
40 médicos que atendem pacientes com Aids em seis hospitais
universitários do Rio de Janeiro. A pesquisa, publicada
em outubro nos Cadernos de Saúde Pública, apontou
lacunas no atendimento de pessoas com HIV/Aids, como serviços
sobrecarregados, equipes insuficientes para a demanda de população
e pouco tempo disponível para os profissionais poderem
conhecer cada paciente e atendê-los de forma mais completa.
“Com isso, muitas vezes, o paciente acaba saindo do atendimento
sem ter a compreensão necessária sobre qual o seu
problema, qual o tratamento que ele está recebendo e coisas
do tipo”, relata.
Um
dos grandes limites à interação entre profissionais
da saúde e pacientes ocorre quando o médico não
têm tempo ou preparo para conversar com o paciente sobre
as possibilidades de adesão ao tratamento, os possíveis
efeitos colaterais e a necessidade de tomar os medicamentos na
hora certa. “O diálogo permite ao médico e
ao paciente construírem juntos um esquema de tratamento
que seja tecnicamente eficaz, mas que também leve em conta
as condições de vida do paciente”, comenta
Malta.
A
Unidade de Assistência e Tratamento do Programa Nacional
de Aids oferece oficinas de capacitação para os
profissionais de saúde. Porém, como muitos deles
trabalham horas demais, freqüentemente têm mais de
um emprego, a capacitação e atualização
constante, fundamental nessa área, acaba ficando de lado.
“Na nossa realidade, é quase impossível para
esses profissionais se ausentar do serviço vários
dias para uma capacitação mais ampla, que englobe
vários assuntos”, diz a pesquisadora da Fiocruz.
Atenção
aos usuários de drogas
Malta, juntamente com outro pesquisador da Fiocruz e uma pesquisadora
do Programa Nacional de DST/Aids, escreveu um manual de referencia
para profissionais de saúde que atendem pacientes com Aids
usuários de álcool ou drogas. O “Guia para
tratamento e manejo integral de usuários de drogas vivendo
com HIV/Aids na América Latina” será publicado
ainda este ano e a intenção é iniciar em
2006 uma série de treinamentos para os profissionais de
saúde que atendem esses pacientes.
Tratamento
requer esforço e atenção
Os problemas da falta de aderência à terapia são
mais graves no caso de pacientes que utilizam a terapia antiretroviral
de alta potência (cuja sigla em inglês é HAART).
Esta terapia engloba o uso de diversos medicamentos e se tornou
o tratamento padrão para alcançar a máxima
supressão viral entre indivíduos com HIV/Aids.
A
HAART, além de proporcionar uma vida mais longa, proporciona
também um aumento na qualidade de vida, relacionada diretamente
a uma melhor condição física e emocional.
Por serem medicamentos que não podem ser esquecidos ou
usados de forma irregular, este tratamento requer um grande esforço
e atenção por parte do paciente. O período
de tempo em que os medicamentos permanecem ativos na corrente
sanguínea e a interação deles com alimentos
e outros medicamentos fazem com que a constância, a observação
dos horários de doses e a regularidade na manutenção
do tratamento sejam fatores essenciais para a eficácia
do tratamento. O fato de pular apenas algumas poucas doses pode
levar a um aumento na replicação do vírus
da Aids. Como são muito freqüentes as mutações
do HIV, o aumento da sua replicação pode rapidamente
levar a uma resistência ao medicamento utilizado, com conseqüente
incapacidade de combate ao vírus.
Sob
o ponto de vista de saúde pública, essa falha pode
levar a uma possível disseminação de variantes
virais multi-resistentes, ou seja, resistentes a diversos medicamentos,
na comunidade. Por isso, é importante, tanto para o indivíduo
quanto para a comunidade, ter certeza disponibilizar os serviços
de apoio necessários para aumentar a aderência ao
tratamento.