“Guerra
dos lugares” é marca da crise
do pacto federativo
Como
administrar um país com dimensões continentais?
Como não privilegiar alguns setores no planejamento territorial,
num país com contradições internas tão
grandes? Essas questões não são de um solucionamento
simples e trata-se, sobretudo, de um tema clássico da ciência
política, sobre o qual a geografia também tem se
debruçado. A descentralização do poder no
país gera uma competição entre os municípios
ou o que os pesquisadores chamam de “guerra dos lugares”.
Para abordar essa questão e as implicações
atuais no território brasileiro, o Laboratório de
Investigações Geográficas e Planejamento
Territorial (Geoplan), do Instituto de Geociências da Unicamp,
realizou no dia 17 um seminário com o tema “Território
e Cidades”.
A
guerra dos lugares corresponde às disputas em que os municípios
estão envolvidos e sua capacidade de competição
frente a outros entes federativos e ao próprio território
nacional para atrair recursos de todos os tipos. Dessa forma,
um município compete com outro, por exemplo, para aumentar
a isenção de impostos ou flexibilizar as normas
ambientais para que uma grande empresa se instale no lugar, trazendo
novos empregos e possibilidades de crescimento econômico.
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Da esquerda para a direita, André Martins (USP),
Antonio Carlos Robert de Moraes (USP), Marcio Cataia (Unicamp),
Monica Arroyo (USP) e Claudete Vitte (Unicamp). Foto: André
Gardini
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No
encontro realizado pelo Geoplan, uma mesa redonda intitulada “Federação
e Território: quais tendências para um novo pacto?”
discutiu a crise da estrutura federativa brasileira e o surgimento
de novos municípios. De acordo com a professora Claudete
de Castro Vitte, da Unicamp, dos atuais 5.561 municípios
brasileiros, cerca de 4 mil têm apenas 20 mil habitantes.
Tal fato se opõe ao passado centralista e aponta claramente
a descentralização do poder no Brasil, sobretudo
a partir da constituinte de 1988. Segundo Vitte, a descentralização
do poder no Brasil implica em um maior controle dos recursos,
no aumento do poder na escala municipal e uma maior autonomia
de decisão. Além disso, pretende atingir alguns
objetivos, como facilitar a democratização, a participação
da população nos processos decisórios (como
no caso das administrações que adotam o orçamento
participativo) e o alcance da justiça social, podendo assumir
uma linha progressista, ampliando e aprofundando a democracia.
Mas a pesquisadora faz uma ressalva: “Grande parte desses
municípios tem sérios problemas econômicos
e gerenciais para fomentar o desenvolvimento econômico local”,
afirma.
A
questão da descentralização do poder no Brasil
foi colocada na Constituição de 1988 através
de alguns princípios descentralizadores. Nesse ponto, alguns
serviços sociais como educação e saúde
passam a ser uma responsabilidade dos municípios e não
mais do governo central. No entanto, Vitte faz uma relação
da descentralização atual com o “poder local”
exercido pelos coronelistas nas décadas anteriores à
Constituição. Para ela, a descentralização
daria mais autoridade às pessoas com um certo poder econômico
e político de “escolher” os caminhos dos investimentos
no município.
Para
o professor Antonio Carlos Robert de Moraes, da Universidade de
São Paulo, nossa Constituição é bastante
municipalista. “Para comprovar isso, basta uma leitura no
texto para ver que só o município pode decidir sobre
o uso do solo, o que não é pouco”. Ele explica
que em função do localismo, há uma série
de fatos que ajudam a analisar o papel do Estado brasileiro sobre
a questão. “As neo-oligarquias são um exemplo
disso; são arranjos políticos locais onde o senador
é irmão do deputado e outros cargos políticos
têm vínculos familiares”, aponta.
Para
Moraes, a questão da escala de poder (federal, estadual
e municipal) é fundamental e deve estar bem explicitada
para gerar uma geografia com clareza e, conseqüentemente,
um pacto social justo. Ele critica discussões geradas no
Senado Federal que, segundo ele, se pautam por uma lógica
local, ou seja, discute-se a ponte que vai ser construída
em uma cidade ou a praça de outra, e isso é prejudicial
ao país. “O espaço de discussão deve
se empenhar na formulação de projetos nacionais
e discutir o ordenamento territorial do Brasil”, ressalta.
A conservação ambiental, por exemplo, estaria ligada
a uma lógica nacional, ou seja, é uma questão
estratégica. Mas de acordo com Moraes, é preciso
deixar claro os espaços que serão conservados, e
é preciso, sobretudo, que o brasileiro tenha o direito
de uso de seu espaço.