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Mecanização transforma relações de emprego
do setor sucroalcooleiro

O Programa Nacional do Álcool completa 30 anos esse mês. Criado em novembro de 1975, o Proálcool deixou de existir em meados da década de 1980, com o corte dos incentivos do governo, mas a produção e o consumo dos derivados da cana-de-açúcar continuou e, hoje, o Brasil é o maior produtor mundial e o maior exportador de etanol combustível. O crescimento da produtividade exigiu a intensificação do processo de mecanização, iniciado na década de 1950. Apesar dos avanços tecnológicos no setor sucroalcooleiro, 65% da cana ainda é colhida manualmente.

Com uma lei estadual aprovada em 2002, em São Paulo, obrigando a suspensão gradativa da queima da cana e mecanização da colheita em áreas mecanizáveis até 2021 e nas áreas não mecanizáveis até 2031, a previsão é de que a média da mão-de-obra diminua para 25% nos próximos 25 anos. A tendência é que a mão-de-obra mais qualificada seja absorvida, enquanto milhares de trabalhadores sem qualificação devem ficar completamente sem alternativas de emprego. A mecanização é uma faca de dois gumes: ao mesmo tempo que amplia a capacidade produtiva e melhora as condições de produção e trabalho, também reduz a necessidade de mão-de-obra, especialmente aquela menos qualificada. “Quem ficou no campo foi quem correspondeu à exigência de melhor qualificação. As máquinas demandam uma mão-de-obra mais qualificada”, observa Carlos Eduardo de Freitas Vian, professor e coordenador do Grupo de Extensão e Pesquisa em História da Agricultura e dos Complexos Agroindustriais, da Esalq/USP.

Vian apresenta no dia 1º de dezembro, durante o I Seminário de História do Açúcar, no Museu Paulista da USP, um artigo sobre o progresso técnico e as relações de trabalho na Agroindústria canavieira nacional. O trabalho evidencia a falta de perspectivas de uma grande parcela dos trabalhadores desqualificados que está sendo desempregada pelo setor e a melhora de condições de trabalho para os que conseguem permanecer nas lavouras de cana. Segundo o pesquisador da Esalq, o emprego diminui com a mecanização, mas chega um momento de estabilidade, em que o trabalhador que fica na lavoura deixa de ser um empregado temporário para ter emprego o ano inteiro.

As mudanças nas relações de emprego no setor foram significativas nos últimos anos. Entre os anos de 2000 e 2002, por exemplo, houve um aumento de 18% no número de trabalhadores formais, com carteira de trabalho, envolvidos na produção de cana-de-açúcar, açúcar e álcool. No Estado de São Paulo, cerca de 90% dos empregados estão formalizados. A média nacional é de 70%, aproximadamente. Essa diferença estatística em São Paulo se deve à organização dos sindicatos e o controle social mais rígido na organização do direito do trabalho. Nas regiões Norte e Nordeste, onde essa pressão social é menor, o índice de formalização do trabalho é o pior do país, em torno de 60%.

Uma alternativa que os desempregados encontram é a ocupação de terras. Segundo Rosemeire Aparecida Scopinho, psicóloga especialista em trabalhadores rurais e pesquisadora da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), os acampamentos se formam próximos às lavouras de cana, em terras compradas pelo Incra onde antes funcionavam usinas de cana-de-açúcar. “Muitas usinas não conseguiram sobreviver à falência do Proálcool e perderam suas terras para o Estado”, esclarece. Segundo ela, os assentados são na grande maioria ex-bóias-frias, que utilizam essas áreas para a produção familiar. “Nossa realidade é extremamente contraditória. De um lado, temos uma agricultura avançadíssima em termos tecnológicos e, de outro, os assentamentos de reforma agrária, resgatando antigas técnicas de produção agrícola”, aponta.

Mecanização cresce
Apesar da retomada da produção de biocombustível, impulsionada ainda mais pelas exigências do Protocolo de Quioto e o aumento do preço do petróleo (que está custando por volta de US$ 65 o barril), a expansão da economia sucroalcooleira, em especial no Sudeste e Centro-Oeste do país, não dá sinais de que vai mudar a realidade daqueles que, no passado, viveram do emprego na cana-de-açúcar. A necessidade de aumentar a produtividade e a contínua modernização dos processos produtivos não vão gerar demanda por mão-de-obra, tendência observada desde a criação do Proálcool, há trinta anos.

“Naturalmente que o Proálcool, ao estimular a produção de cana-de-açúcar para a indústria sucroalooleira, representaria uma oportunidade de expansão do número de empregos, não fosse a exigência de maior produtividade, que levou à crescente mecanização da cultura, em especial em São Paulo, na região de Ribeirão Preto”, comenta Cláudia Satie Hamasaki, professora do Centro de Ciências Sociais da Universidade Católica de Pernambuco (Unicap). Nesses trinta anos, o Brasil produziu 275 bilhões de litros de álcool, apenas para fins combustíveis. Mesmo com a crise do carro a álcool, no final da década de 1980, a produção do álcool saltou de 600 milhões de litros por ano em 1976 para 12 bilhões por ano em 1990. A previsão para 2005/2006 é que o país produza 17 bilhões de litros, dos quais, 2,4 bilhões serão exportados.

A mecanização das lavouras de cana torna o álcool brasileiro mais competitivo, pois permite uma produção maior e com custo reduzido. Em 1975, as colhedeiras mecânicas eram capazes de colher 300 toneladas de cana crua por dia; trinta anos depois, em 2005, elas têm um potencial de colher 800 toneladas. Em termos de mercado, o preço do álcool hoje é 65% menor que no início do programa. Em uma palestra durante o Seminário “Etanol Combustível: balanço e perspectivas”, realizado na Unicamp em comemoração aos 30 anos do Proálcool, entre os dias 16 e 17 de novembro, Oscar Braunbeck, professor Faculdade de Engenharia Agrícola da Unicamp, ressaltou que apesar dos avanços, a tecnologia de colheita brasileira tem ainda limitações.

“Levamos 500 anos para irmos do corte manual para o mecânico, e ele ainda não é uma opção sustentável”, salientou. Entre os desafios destacados por Braunbeck estão os custos com o desenvolvimento e aquisição das máquinas, os problemas de compactação do solo provocado pelo peso dos tratores, redução das áreas de cultivo – uma vez que metade da área hoje utilizada não é mecanizável –, e o desemprego. “Não podemos permitir que as máquinas tragam perdas. Esse é o nosso desafio para os próximos 30 anos”, concluiu.

Atualizado em 23/11/05
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