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Religião e futebol: válvulas de escape em sociedade de risco

A influência das manifestações religiosas é marcante no futebol brasileiro. Santinhos, capelas dentro dos clubes, oração de Ave Maria e Pai Nosso nos vestiários (independente da crença do jogador), camisas louvando Jesus e devoções afro-brasileiras invadem os campos de todo Brasil. Essa é o tema da dissertação de mestrado em ciências da religião “É Gol! Deus é 10 - A religiosidade no futebol profissional paulista e a sociedade de risco”, defendida pelo professor de educação física Clodoaldo Gonçalves Leme, em 15 de outubro, no Departamento de Ciências da Religião da PUC de São Paulo.

Na opinião de muitos jogadores, técnicos e integrantes de comissão técnica, a fé potencializa o desempenho esportivo. Segundo o pesquisador, a religião tem lugar de destaque na vida desses profissionais, porque é um meio de ascensão instável, num país de grande desigualdade social. Muitos sonham com o profissionalismo, mas é um caminho difícil, a que poucos têm acesso, precisando passar por diversas provações. “Os profissionais da área sofrem grande pressão psicológica e física e muitas vezes não têm estrutura suficiente para suportar as dificuldades, de onde vem a necessidade de apoio religioso e apelo ao sobrenatural”, afirma Leme.

Os exemplos de fé no futebol são muitos.Em 2002, quando o Palmeiras foi rebaixado para a segunda divisão, a torcida Mancha Verde resolveu protestar fazendo um enterro simbólico de jogadores e dirigentes em frente ao clube. Para afastar o “mau agouro”, a calçada do clube Palestra Itália também foi lavada por baianas, como se faz na Igreja do Senhor do Bonfim, em Salvador. Esse é apenas um dos exemplos da influência das práticas religiosas no país pentacampeão de futebol.

De acordo com a pesquisa, a relação entre religião e futebol aparece com freqüência no Brasil, desde o início do século XIX, quando o esporte foi levado para os colégios pelos padres jesuítas. Não é à toa que domingo é o dia da missa e também de futebol. A maioria dos jogadores usa um amuleto ou escapulário no peito. Os traços religiosos aparecem até mesmo no nome dos clubes ou de suas sedes, como Santos e Parque São Jorge (do Corinthians). “Alguns técnicos levam as camisas para terreiros de umbanda, sem os atletas saberem, outros fazem rituais escondidos com velas e flores no campo, e já houve casos até de mandarem colocar sal grosso dentro da chuteira ou no gramado”, conta Leme.

Segundo o pesquisador, a busca por uma segurança em um ambiente de constante pressão começa entre os jogadores amadores. Os garotos costumam ser muito cobrados, podem sofrer lesões e problemas pessoais que influenciam no rendimento esportivo. “A probabilidade de sofrer pressões e, assim, se desestruturar emocionalmente, é enorme, pois nem todos são capazes de suportar essa situação de risco”, diz o pesquisador. “Para conquistar uma vaga num time profissional, buscam respostas por meio do transcendente”.

No país do sincretismo religioso, as demonstrações coletivas de fé envolvendo todo o time ocorrem mais nas finais de campeonatos, quando uns vibram pela vitória e outros choram o rebaixamento. É comum, por exemplo, jogadores comemorarem o gol apontando para o céu, agradecendo a graça recebida. “Quando ganham agradecem e nas derrotas, costumam acreditar que a crise foi enviada por Deus para que aprendam alguma coisa”, comenta Leme.

O curioso é que até na mídia o discurso religioso aparece nas manchetes de esporte associadas ao futebol: “Só um milagre pode salvar”; “Reza do Palmeiras não resolve, Romário joga”; “Jogo de vida ou morte”; “Do céu para o inferno” e “Robinho desceu do Paraíso” são alguns exemplos.

Leme lembra que este não é um fenômeno apenas brasileiro. Quando Maradona esteve internado em estado grave, a manchete era “Deus, salve Dieguito”, mostrando um torcedor segurando a imagem de Nossa Senhora e rezando. Quando estava se recuperando, os fãs argentinos costumavam dizer: “Deus não morre”. Eles chegaram até a fundar a Igreja Maradoniana, onde cantam hinos de louvor ao ídolo, há chuteiras em forma de cruz e até a estatueta do jogador rodeada de anjinhos. “Para muitos, o futebol ainda significa a única forma de salvação”, conclui o pesquisador.

Atualizado em 28/11/05
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