Sindicatos
propõem mínimo de R$ 400 e pesquisadores divergem quanto ao impacto
No fim de novembro deve acontecer, em Brasília, a "II
Marcha Nacional pelo aumento do salário mínimo e
pela redução da jornada", convocada pelas principais
centrais sindicais brasileiras. Uma das principais bandeiras das
entidades será o aumento do salário mínimo
para R$ 400. Pesquisadores ligados ao governo e ao meio acadêmico,
no entanto, divergem sobre os impactos do aumento do salário
mínimo na economia.
A
Central Única dos Trabalhadores (CUT) levou ao Congresso
Nacional, no final de outubro, uma proposta de aumento do salário
mínimo para 2006. A central sindical propõe um aumento
real de 8,9%, mais a taxa de inflação, até
2012. Para a CUT, que apresentou uma agenda de reivindicações
em que a valorização permanente do mínimo
tem grande destaque, os recursos poderiam vir da aplicação,
de uma só vez, de um imposto de 1,5% sobre grandes fortunas.
Porém,
pela Lei de Diretrizes Orçamentárias, que deve ser
votada até dezembro pelos deputados federais, o salário
mínimo deve chegar a no máximo R$ 321 no ano que
vem, o que representa uma variação de 6,97%, porcentagem
que embute a alta do Índice Nacional de Preços ao
Consumidor (INPC) medido pelo IBGE, previsto em 5,03%, e a variação
real do Produto Interno Bruto (PIB) per capita, estimada em 1,94%.
Não
há consenso sobre o impacto de um aumento do salário
mínimo na economia. Efeitos indesejáveis, como o
aumento de preços e a possibilidade de quebra de pequenas
empresas e de municípios são comumente lembrados.
Além desses problemas, a conseqüência para os
gastos com a previdência social é um foco significativo
da discussão. Estudos divergem com relação
à viabilidade de aumentar o mínimo e, ao mesmo tempo,
mantê-lo atrelado aos benefícios previdenciários.
Impactos
da elevação do mínimo na previdência
Um artigo publicado em outubro de 2004 por pesquisadores do Instituto
de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), vinculado ao Ministério
do Planejamento, Orçamento e Gestão, intitulado
“Diagnóstico da Previdência no Brasil: o que
foi feito e o que falta reformar?”, mostra que, a partir
de meados da década de 1990, começaram a ocorrer
sucessivos déficits entre arrecadações e
despesas do INSS. Uma das causas do crescimento de gastos com
inativos seria o “efeito SM” (ou efeito salário
mínimo). Como 30% das aposentadorias são exatamente
de um salário mínimo e este teve aumento médio
de 4,7% ao ano entre 1994 e 2004, (usando o IPCA como parâmetro),
seu crescimento teria pressionado as contas da previdência.
Segundo o artigo, para não onerar as contas públicas,
seria necessária uma reforma que desvinculasse o mínimo
dos benefícios previdenciários.
Por
outro lado, pesquisas publicadas no livro Salário Mínimo
e Desenvolvimento, recentemente lançado pelo Instituto
de Economia da Unicamp, explicitam indicadores diferentes. Para
Sulamis Dain, professora da Universidade Estadual do Rio de Janeiro,
e Milko Matijascic, docente e pesquisador do Centro Salesiano
de São Paulo, não se pode excluir a desvinculação
das receitas da União – que permite destinar até
20% do Orçamento da Seguridade Social para outros fins
– no cálculo dos gastos do INSS, como fez o IPEA.
Em 1995, o salário mínimo se apropriava de 24,1%
das despesas da seguridade social (que inclui saúde, assistência
e previdência – itens também omitidos pelo
IPEA), ao passo que, em 2004, representou uma parcela menor (20,8%).
A
vinculação não seria um fator de descontrole
do déficit orçamentário, porque seus gastos
são previstos, contrariamente ao que acontece com o serviço
da dívida pública, que pode quase dobrar em dois
anos, como aconteceu de 1998 para 1999 e 2001 para 2002. Nesse
sentido, segundo Anselmo Luís dos Santos e Denis Maracci
Gimenez, professores do Instituto de Economia da Unicamp, para
dobrar o salário mínimo em quatro anos, haveria
um gasto anual com a previdência de 0,5% do PIB, apenas
10% dos superávits primários dos últimos
anos.
Impactos
sociais da desvinculação
A questão não se limita aos termos contábeis,
pois implica posicionamentos diversos quanto às prioridades
da gestão pública. Pelo estudo do IPEA, o aumento
do piso previdenciário não diminui a desigualdade,
não reduz a pobreza, não aumenta a capacidade de
crescimento futuro da economia e nem contribui para atenuar o
problema da violência. Isso porque não é a
parcela de aposentados que concentra a pobreza extrema, não
são eles que contribuirão para o crescimento futuro
da economia e não são eles que engrossam as estatísticas
criminais. Dessa forma, para aumentar o valor real do salário
mínimo seria necessária uma emenda constitucional
que o desvinculasse do piso da previdência.
Para
Dain e Matijascic, por sua vez, a vinculação é
defensável por razões contrárias. Entre 1981
e 2003, embora a participação de idosos na população
brasileira tenha crescido 10%, o número de pessoas com
mais de 60 anos em pobreza extrema caiu de 914 mil para 430 mil.
A causa seria a fixação do piso previdenciário
ao salário mínimo e a ampliação da
cobertura dos benefícios pela Constituição
de 1988. O aumento do piso e do salário mínimo seriam
fatores importantes na redução da pobreza. Os autores
ainda apontam a seguridade como decisiva para o desenvolvimento,
na medida em que ela foi fundamental para distribuir a renda e
dinamizar economias nas regiões mais pobres do Brasil.
Para eles, só depois que os valores do piso e do salário
mínimo garantirem condições dignas à
população, será possível retomar o
debate sobre a desvinculação.