Focos
da aftosa refletem subdesenvolvimento do país
Com
a tecnologia, o gado brasileiro (chamado de “boi verde”,
devido à
alimentação vegetariana) ganhou espaço e
conceito no mercado internacional. Mas no ano em que o país
se tornaria território livre da aftosa, meta prevista pelo
Programa Nacional de Erradicação da Febre Aftosa
(PNEFA), 51 países restringem a importação
da carne brasileira – Israel retirou, parcialmente, suas
restrições. O pesquisador da Embrapa Gado de Corte,
Pedro Paulo Pires, afirma que o surgimento de 21 focos da doença
no Mato Grosso do Sul (MS) é problema da falta de informação
dos pecuaristas.
Ele
esclarece que o gado foi imunizado, mas os produtores aplicam
vacina armazenada fora da temperatura indicada (entre 4 a 8 graus).
Segundo Pires, a responsabilidade é coletiva, porque se
um produtor não imunizar a criação e essa
for infectada, todo o estado é impedido de vender carnes
e alguns produtos, como a melancia, que também teve a comercialização
vetada para outros lugares do país. “O problema é
instrucional, os produtores não recebem condições
e informações de como guardar a vacina. Alguns não
têm nem termômetro para verificar a temperatura”,
ressalta o pesquisador do MS.
Em
quase todos os estados do Brasil, a vacinação é
obrigatória para conter a aftosa (principalmente no contexto
brasileiro onde as fronteiras são fiscalizadas de forma
precária) e para diminuir danos aos pecuaristas. Desde
2000, apenas Santa Catarina é considerada pelo Ministério
da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) livre de
aftosa sem vacinação. Com a crise, a Secretaria
da Agricultura catarinense reforçou as barreiras sanitárias
com a ajuda do exército. Segundo informações
da Companhia Integrada de Desenvolvimento Agrícola de Santa
Catarina (Cidasc), se descoberta a vacinação de
animais, o rebanho será sacrificado – porque o estado
perde o status de território livre de aftosa sem vacinação
– e o produtor não terá direito à indenização.
O pecuarista pode ser, ainda, acusado de difundir doenças
e, se culpado, a pena de reclusão varia de dois a cinco
anos.
Pressão
A luta para a erradicação da aftosa é estimulada
pelo mercado internacional, porque ele paga mais pela carne proveniente
de território livre de aftosa sem vacinação.
O professor da Faculdade de Engenharia de Alimentos da Universidade
Estadual de Campinas (Unicamp), Pedro de Felício, constata
que não é a vacinação que desvaloriza
a carne, mas o fato de um país não ter ainda erradicado
a doença a ponto de não precisar mais vacinar. Ele
explica que o prejuízo ao produtor com a vacinação
é a retirada de meio quilo de carne de pescoço (paleta)
no local da aplicação.
Com
relação ao embargo do mercado internacional, Felício
avalia que não será preciso agradar a ninguém
para que os importadores retornem ao mercado brasileiro. Segundo
ele, os preços do mercado internacional já subiram
muito. “O mundo precisa de carne brasileira que é
muito barata e bastante saudável, processada pelos frigoríficos
mais higiênicos do planeta”, opina o especialista
em produtos de origem animal. Até o dia 22 de novembro,
Israel foi o único país que
suspendeu o embargo à carnes desossadas e miúdos,
mas ainda não aceita produtos provenientes do Mato Grosso,
Paraná e São Paulo.
Erradicação
Desde 1960, o Brasil institucionalizou a luta para acabar com
a doença, o que também representou aumento de recursos
destinados à campanha. A quantia investida saltou de US$
85 milhões em 1992 para US$ 196 milhões em 2004
(a iniciativa privada foi responsável por 81% desse valor).
Além de privados, esses recursos são provenientes
dos governos federal e estaduais e não incluem gastos com
salários e com vacinas. Em 2005, depois dos focos, foram
liberados pelo MAPA R$ 33 milhões, destinados à
erradicação da febre aftosa (incluindo o pagamento
de indenizações) e ao apoio à população
dos cinco municípios onde o vírus da doença
se manifestou.
Apesar
dessa iniciativa, o pesquisador do Núcleo de Biossegurança
da Fundação Oswaldo Cruz, Gabriel Schütz, analisa
que as políticas elaboradas pelo PNEFA são verticais
(de cima para baixo). “É preciso fazer um programa
que integre várias perspectivas, que escute mais as pessoas
envolvidas. Mas isto desde o momento da formulação
dos programas, e não como normalmente acontece: uma consulta
formal depois que as decisões foram tomadas”, explica.
Entretanto, com base na baixa incidência aftosa nos últimos
anos, Felício, da Unicamp, acredita que as campanhas de
vacinação brasileiras têm sido um sucesso
e poderão ser melhoradas.
Outra
instituição que atua no Brasil e na América
é o Centro Pan-Americano de Febre Aftosa (Panaftosa), criado
há 54 anos e vinculado à Organização
Pan-Americana de Saúde (OPAS). Ele também realiza
pesquisas e atividades, como o Programa Hemisférico para
a Erradicação da Febre Aftosa (PHEFA). Em 2004,
numa conferência,
chegou-se à Declaração de Houston, acordo
que estabeleceu o compromisso de extinguir a doença na
América do Sul até 2009. Segundo relatório
de 2004 do PNEFA, dos 11 países da América do Sul,
apenas o Chile e as Guianas são considerados territórios
livres sem vacinação. Paraguai, Venezuela e Equador
estão infectados com a doença, e os países
restantes têm zona livre de aftosa, exceto o Uruguai, que
não apresenta mais a doença por vacinar o gado.
De
acordo com os especialistas, uma ação conjunta com
os países que fazem fronteira com o Brasil deve ser realizada,
porque o vírus se espalha facilmente. Embora sem provas,
o Relatório do Departamento de Operações
de Fronteira (DOF) divulgado em outubro pelo governo de MS reforça
indícios de que a origem dos focos de febre aftosa no estado
seja proveniente do Paraguai, onde é comum a compra de
animais pelos brasileiros por preços mais baixos que no
Brasil. No entanto, Pires considera que o vírus está
presente na fronteira e a saída para exterminá-lo
é a vacinação correta do gado brasileiro
e paraguaio ou a vigilância cerrada da fronteira.
Riscos
Doutor em saúde pública, Schütz, avalia que
a aftosa não representa ameaça à saúde
humana. O mais grave são os efeitos econômicos. Ele
alerta também para o problema ambiental causado pelo maior
rebanho de
gado comercial do planeta (segundo IBGE, em 2003, só o
rebanho bovino estava estimado em quase 196 milhões de
cabeças). “Primeiro se desmata para criar gado, depois
se mata o gado e se enterram as carcaças em imensas valas.
Trata-se de uma agressão ambiental cujo impacto à
saúde é incerto”, avalia.