Votação
refere-se a apenas um item do estatuto do desarmamento
A
polêmica armada entre o “sim” e o “não”
referente a um item do Estatuto do Desarmamento levará
à urna todos os eleitores brasileiros no próximo
23 de outubro. Faltando menos de um mês para o referendo
que irá decidir sobre a proibição ou não
da venda de armas de fogo no Brasil, parece que ainda não
estar muito claro o que será votado e quais as implicações
de um resultado final, positivo ou negativo, para a sociedade
brasileira. O Estatuto do Desarmamento (Lei
10.826) dispõe sobre o registro, a posse e a comercialização
de armas de fogo no Brasil. Este último item foi visto
por uma minoria de parlamentares como a supressão dos direitos
de escolha do cidadão, o que gerou uma polêmica e
resultou no primeiro Referendo Popular da história do Brasil.
O referendo é uma consulta popular onde os cidadãos
decidem, através do sim ou não, se uma medida determinada
por lei deve continuar valendo. Nesse sentido o que será
votado é somente sobre a comercialização
de armas e munição, pois o porte e o registro já
possuem leis.
De acordo
com a legislação já estabelecida, o registro
de armas de fogo é obrigatório e o porte é
proibido. Parece contraditório, mas o Estatuto estabelece
que as armas de fogo são de uso restrito e seu registro
é emitido pelo Comando do Exército. O porte é
proibido em todo o território nacional, mas é permitido
em situações especiais definidas pelos capítulos
dois e três da Lei. Integrantes das forças armadas,
guardas municipais, agentes e guardas prisionais, atividades desportivas
de uso de arma de fogo, os residentes em áreas rurais [que
comprovem a necessidade para sua subsistência alimentar
familiar, poderão ter arma na categoria “caçador”],
entre outros portes permitidos, são alguns dos exemplos.
Na
tentativa de promover esclarecimento e debater o assunto, a Unicamp
realizou no último dia 28 de setembro um seminário
sobre o referendo, com uma posição claramente definida
a favor do fim do comércio de armas e munição.
Ao justificar o seminário, o reitor da Unicamp Tadeu Jorge
destacou que a instituição que trabalha na produção
e difusão do conhecimento também é responsável
pelo uso que se faz desse conhecimento, sendo assim, ela deve
estar voltada para as questões que possam contribuir para
a melhoria de vida da sociedade. “A cultura da universidade
é a cultura da paz”, destacou. Para ele, defender
a vida é obrigação da universidade, pois
é financiada pelos cidadãos e cidadãs do
Brasil.
Já
para o deputado Renato Simões (PT-SP), o referendo trata
de uma expressão dramática do perfil excludente
da formação social brasileira. “Substituímos
a noção de Estado pela regulação dos
mercados”, destaca. Para ele, esse processo de mudança
de paradigma, ao invés de dar mais oportunidades, acentua
as desigualdades sociais. Para ele existe um “ponto crítico”,
pois no momento em que o cidadão mais precisa do Estado,
ele sai de cena e tarefas inerentes ao Estado como, por exemplo,
a segurança, ficam negligenciadas e são atribuídas
às empresas privadas de segurança ou aos próprios
cidadãos, que absorvem a idéia de que se tiverem
uma arma em casa, estarão seguros da violência.
“Esse
quadro de ausência gera uma tensão social”,
destaca Simões. Para ele, um desempregado com uma arma
de fogo na mão, em período de tensão social,
pode virar um homicida. “Casos de adultério, briga
de trânsito ou com o vizinho, muitas vezes são resolvidos
com uma arma”, esclarece. Ele ainda destaca que os que são
a favor da proibição do comércio de armas
de fogo deverão enfrentar a “bancada da bala”
financiada por empresas que comercializam e fabricam armas. Os
deputados da bancada da bala, recebem, financiamento de campanha
das empresas de armas.
Muitos números
interessantes foram citados no seminário. O pró-reitor
de extensão da Unicamp, Mohamed Habib, destacou que apenas
uma em cada 185 pessoas que reagem a um assalto a mão armada
consegue sobreviver. Um levantamento do Ministério da Saúde,
através do Departamento de Tecnologia da Informação
do SUS, o Datasus, mostra que 64% dos homicídios são
cometidos por arma de fogo. Habib destacou que o Brasil é
o campeão em número de homicídios. “São
39 mil vidas por ano, sendo que dois terços são
jovens de 18 a 25 anos. Pessoas armadas são um risco para
a sociedade. Por que o Brasil aceita isso?”, questionou
Habib.
Outro
levantamento do Ministério da Saúde mostrou que
o índice nacional de mortes por armas de fogo caiu 8,2%,
em comparação com 2003. Isso representa 3.234 vidas
poupadas. É a primeira vez, em 13 anos, que diminui o número
de mortos por armas de fogo no país. Para o governo federal,
o resultado está ligado à campanha do desarmamento.
Até julho, de acordo com uma pesquisa
do Instituto Datafolha realizada em 134 municípios do Brasil,
80% da população defende a proibição.
Leia
mais:
-Eleitorado
terá participação direta na legislação
sobre comércio de armas
-Para
tirar dúvidas sobre o Estatuto do Desarmamento