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Biólogo propõe enfoque para se estabelecer áreas de preservação na Mata Atlântica

Legenda foto: A perereca Hypsiboas bischoffi, que tem ampla distribuição na Mata Atlântica desde o estado do Rio de Janeiro até o Rio Grande do Sul.
Foto: João Alexandrino.

“Será que a biodiversidade é fractal?”. Segundo João Alexandrino, em palestra durante a XVI Semana de Estudos da Ecologia, que aconteceu de 26 a 30 de setembro, a pergunta tem importantes implicações para planos de conservação. Assim como os fractais, cujas estruturas se repetem a qualquer escala, a biodiversidade também pode ser examinada em diversos níveis de aproximação: universo, biosfera, ecossistema, comunidade, espécie, população, organismo, célula, gene. O biólogo argumenta que dentro de cada uma dessas unidades é possível detectar variação biológica, e que examinar níveis diferentes é fundamental para a compreensão da biodiversidade. Alexandrino, pós-doutorando do laboratório de Herpetologia da Universidade Estadual Paulista (Unesp) de Rio Claro, é especialista em filogeografia, o estudo geográfico de linhagens evolutivas.

Os planos tradicionais de conservação se baseiam em mapeamentos da distribuição geográfica de cada espécie. A partir desses mapas, seleciona-se unidades de preservação de acordo com a sobreposição de espécies no local ou a qualidade do habitat. “Esse enfoque é incompleto, pois não leva em conta a história das populações e sua biogeografia”, alerta Alexandrino. O pesquisador explica que temos acesso a uma amostra muito limitada da biodiversidade, já que estamos limitados àquilo que podemos observar. Há porém muito que não compreendemos: por exemplo, o uso crescente da abordagem genômica tem mostrado que os cientistas estão longe de compreender de que forma os genes interagem para dar origem às características de um organismo.

A abordagem filogeográfica permite que se investigue a organização das espécies no espaço e no tempo. Dessa forma, o pesquisador inclui em seu projeto não só a distribuição atual do organismo, mas também inferência de sua história. Para tanto, é necessária a consideração de diversos aspectos, como a distribuição atual, os requisitos ecológicos e a capacidade de dispersão das espécies. Este último atributo tem grande importância: “Animais que migram pouco nos dão uma maior possibilidade de distinguir a dinâmica populacional antiga da recente, de forma que podemos inferir sua história”, explica o pesquisador.

Salamandra portuguesa
Para ilustrar o potencial da filogeografia para a conservação, Alexandrino relatou seu trabalho com a salamandra Chioglossa lusitanica. Este anfíbio está restrito à península Ibérica e era considerado raro. O trabalho de Alexandrino e colaboradores mostrou que trata-se de um animal abundante em riachos em Portugal e no oeste da Espanha. A partir de estudos de sua distribuição atual, os pesquisadores perceberam que 95% de sua diversidade genética encontra-se no terço sul da área de ocorrência do animal. Além disso, detectaram que as populações do sul e do norte eram representantes de linhagens evolutivas distintas. Como conseqüência desses resultados a espécie foi dividida em duas subespécies, de forma que ambas as linhagens fossem contempladas em estratégias oficiais de conservação.

A determinação de áreas sugeridas para proteção foi feita através de análise da diversidade genética e de modelagem da distribuição da salamandra. Áreas com maior diversidade genética, além de serem mais representativas da espécie como um todo, sugerem que o organismo existe há mais tempo naquele local. Essa profundidade temporal permite inferir que se trata de um habitat mais estável ou mais propício, com maiores chances de permitir a sobrevivência da espécie no futuro. A modelagem ecológica, por outro lado, é feita com base nos requisitos da espécie modelo, tais como clima ou habitat. O modelo calcula, com base nesses parâmetros ecológicos, a probabilidade da espécie existir em cada ponto de sua distribuição. De posse de todos esses elementos, é possível selecionar áreas de preservação onde não só a espécie exista no presente em ambiente adequado, mas onde ela tenha grande probabilidade de continuar a existir nos próximos milênios.

Mata Atlântica
No Brasil, Alexandrino pretende aplicar os mesmos métodos para propor estratégias de conservação para a Mata Atlântica. Seu projeto envolve usar como modelos seis espécies de anfíbios anuros (sapos, rãs e pererecas) comuns ao longo da Mata Atlântica. Esses animais são bons indicadores de áreas a ser preservadas, pois são relativamente sedentários e sensíveis a alterações ecológicas. Dessa forma, o biólogo pretende recuperar a história populacional dessas seis espécies e usar a concordância entre elas para propor áreas de preservação. Como os anfíbios são bons indicadores ecológicos, é muito provável que a preservação de áreas com importância para eles sejam também essenciais para outras espécies.


Atualizado em 03/10/05
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