IBM
fortalece configuração do mercado genético
A IBM (International Business Machines Corporation) anunciou no dia 10 de outubro,
com grande repercussão na mídia internacional, uma nova política
de privacidade com relação às informações genéticas
de seus empregados, prometendo não usá-las para contratação,
planos de auxílio à saúde ou benefícios. Especialistas
em política genética e grupos de direitos de privacidade enfatizaram
nesta semana que a proposta vinda de uma das maiores companhias de tecnologia
do mundo, que tem cerca de 300 mil empregados, deverá ter impacto no atual
contexto norte americano. Isso porque, atualmente, o Congresso dos Estados Unidos
está debatendo a legislação
sobre privacidade genética, que veio em resposta à crescente tendência
das pesquisas médicas focalizarem as propensões genéticas
a doenças e a possibilidade de manipulação de informações
genéticas de trabalhadores, por parte de empregadores, ou de segurados,
por empresas de seguro de saúde.
A
adoção de uma política formal de privacidade genética
por parte da IBM não vem à toa, já que os negócios
da corporação vão bem além de hardwares e softwares.
Uma das áreas de forte investimento da corporação é
a da medicina baseada na informação genética (IBM
Life Sciences), e a empresa tem se engajado, por exemplo, em projetos de pesquisa
que incluem uma atividade
conjunta com a National Geographic Society para traçar a genealogia
da população mundial. Assim, se por um lado, a atitude da IBM afirma
preservar trabalhadores, por outro, garante a continuidade de seus investimentos
em informação genética. De acordo com a agência internacional
de notícias Reuters, pesquisas de opinião têm mostrado que
atualmente os trabalhadores têm fortes suspeitas do uso de testes genéticos
pelas companhias contra eles, sendo que 63% afirmaram que não fariam testes
genéticos se os empregadores pudessem ter acesso aos resultados. Os especialistas
da área de bioética que se pronunciaram esta semana na mídia
internacional consideram o movimento da IBM como um passo positivo que poderá
influenciar outras empresas, mas não descartam a importância de uma
legislação nacional.
Na
divulgação feita pela Reuters, o exemplo de dados genéticos
utilizados sem o conhecimento dos trabalhadores ficou por conta do caso ocorrido
em 2002, envolvendo a Companhia Ferroviária Santa Fé (Burlinton
Northern e Santa Fé Railway Company), que realizou testes genéticos
em 36 de seus funcionários, sem prévio consentimento, procurando
argumentar que os problemas nos braços dos seus empregados eram provenientes
de uma condição genética rara, e não do esforço
repetitivo relacionado ao trabalho. Na época, a companhia negou que tivesse
violado a lei, mas concordou em não utilizar testes genéticos em
exames médicos futuros.
No
atual contexto norte americano sobre o tema, o desenvolvimento de um mercado para
testes e aconselhamentos genéticos soma-se ainda à crítica
das empresas de seguro de saúde sobre a possibilidade do decreto de privacidade
negar-lhes informações de pessoas seguradas. As seguradoras argumentam
que essas informações genéticas seriam importantes para a
empresa medir riscos, e que os segurados poderiam tirar vantagem da possível
falta de informação da seguradora. Essas empresas negam a necessidade
de uma legislação federal sobre o assunto, afirmando que já
existem leis federais e estaduais adequadas sobre o assunto.
Legislação
brasileira
Segundo Omar Kaminski, advogado especializado em direito
e novas tecnologias, não existem normas brasileiras do mesmo porte nem
casos semelhantes aos que vem sendo debatido pelo congresso norte americano. Ele
explica que a discussão jurídica mais recente sobre privacidade
diz respeito às políticas de privacidade funcional, condições
para utilização racional da internet no ambiente de trabalho (leia
notícia sobre o tema) e alerta que, “sem dúvida, tais
informações [genéticas] poderiam formar um gigantesco banco
de dados que abriria diversas possibilidades aos detentores e interessados”.
De
acordo com o advogado, atualmente, as informações genéticas
humanas são utilizadas para fins restritos no Brasil, como projetos científicos
e questões jurídicas que envolvem exames de identificação
ou de reconhecimento de paternidade. Mesmo não havendo normas específicas,
ele relata que há diversos projetos de lei em tramitação
no Congresso Nacional sobre o tema, prevendo, por exemplo, a inclusão do
mapeamento genético na cédula de identidade, através de chip
ou dispositivo semelhante, a fim de evitar fraudes; a criação de
bancos de DNA, a serem mantidos pelos institutos de identificação,
com a finalidade exclusiva de realizar o registro inicial do recém-nascido;
e a previsão de situações que determinam as condições
para a realização e análise de exames genéticos em
seres humanos.
Projetos
de lei mais específicos determinam que o código
genético individual é considerado sigiloso, sendo
expressamente proibido o fornecimento de informações
por laboratórios e clínicas. A quebra do sigilo
só é possível mediante ordem judicial. A
realização de testes que permitam a identificação
da pessoa portadora de um gene que cause ou aumente a predisposição
a uma doença fica permitida apenas com finalidades médicas
ou de pesquisa médica. “Além disso, existem
projetos que dispõem sobre a proteção contra
a discriminação da pessoa em razão da informação
genética”, complementa Kaminski.
Para
o advogado, ao falarmos de seres humanos, as questões passam
obrigatoriamente pelas normas de proteção e tratamento
dos dados pessoais. Isso porque, constitucionalmente, preserva-se
direitos fundamentais como a privacidade e a dignidade da pessoa
humana, além de outros direitos, liberdades e garantias.
“Qualquer legislação nacional que não
obedeça a esses princípios seria flagrantemente
inconstitucional”, afirma Kaminski.
Patentes
sobre genes
O artigo
de Elói Garcia, presidente da Fiocruz, publicado no dia 18 de outubro no
Jornal da Ciência, relata um estudo recentemente publicado na revista científica
Science que mostra que 1.156 instituições norte-americanas patentearam
4.382 genes humanos (18.5% dos 23.688 genes existentes), sendo 63% por empresas
e 27% por universidades. Garcia avalia que essas porcentagens são altas,
tendo em vista as leis de patente norte-americana e européia sobre a proteção
legal de um gene existente no corpo humano. Por outro lado, ele não se
surpreende que, no atual contexto, o DNA humano seja tratado como qualquer outro
produto natural.
O
caso da IBM visto pela Sociedade Brasileira de Bioética
(SBB)
Volnei
Garrafa, presidente da SBB, salienta que a IBM norte-americana
é originária de um país que está
se notabilizando por não aceitar as normas internacionais
correntes para a ética em pesquisa com seres humanos.
"Já deixaram de seguir a Declaração
de Helsinque, desde dezembro de 2004, e procuram de
todo modo impor sua visão unilateral e mercadológica
a todos os demais países nos campos científico
e tecnológico", afirma. O presidente da SBB
ainda relata que na Reunião Anual da Unesco de outubro,
os EUA foram derrotados tanto na questão da Declaração
Universal de Bioética e Direitos Humanos, na qual
o Brasil teve papel decisivo, incluindo, além
dos temas biotecnológicos,
também a bioética social e a ambiental".
Leia
artigo "O
diagnóstico antecipado de doenças genéticas
e a ética" de Volnei Garrafa.
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