Cientistas
sugerem que doença da vaca louca foi causada a partir de
humanos
A doença da vaca louca – ou Encefalopatia Espongioforme
Bovina (EEB) registrou mais de 180 mil casos na Inglaterra, desde
que foi identificada em 1986. Até hoje existem apenas teorias
sobre a possível causa da doença. A mais aceita
delas seria a incorporação de restos de ovelhas
doentes de scrapie (doença neurodegenerativa como
a EEB) na ração usada para alimentar o gado inglês.
Por conter inconsistências, um grupo de pesquisadores aposta
que a causa primária estaria ligada à incorporação
de restos mortais de humanos na dieta bovina que teriam sido importados
da Índia juntamente com carcaças animais para a
produção de fertilizantes e rações
no Velho Mundo.
A
hipótese que será publicada dia 03, na próxima
edição de um dos periódicos científicos
mais conceituados mundialmente, o The Lancet, soa no
mínimo sinistra, mas os autores Alan Colchester e Nancy
Colchester justificam suas escolhas e provocam: por que a EEB
ocorreu primeiramente na Inglaterra? A scrapie ocorre
há pelo menos 200 anos e os restos mortais de ovelhas eram
adicionados à ração bovina há 70 anos,
por que a doença não surgiu antes?
A
explicação dada pela maioria seria de que foi apenas
entre as décadas de 1960 e 1980 que o país passou
a utilizar uma técnica de extração de gordura
animal com solvente na fabricação da ração
e que aumentaria os riscos de infecção. Mas o casal,
formado por um médico e uma veterinária, retruca
que estudos comprovaram que este processo faz pouca ou nenhuma
diferença na redução dos níveis de
infecção da scrapie ou EEB.
Eles
lembram que entre 1960 e 70, o Reino Unido importou centenas de
toneladas de ossos e carcaças de origem animal (mamíferos)
para a produção de fertilizantes e comida animal,
sendo que metade veio de Bangladesh, Índia e Paquistão.
Parte desta matéria-prima teria sido coletada nas margens
de rios, onde, de acordo com o costume religioso hindu, devem
permanecer os mortos. Assim, os Colchester acreditam que restos
humanos poderiam, facilmente, ter sido misturados ao de animais,
uma vez que em cidades sagradas como Varanasi na Índia
ocorrem cerca de 40 mil cerimônias fúnebres ao ano
às margens do Ganges.
Mas
os autores da nova hipótese vão além. Não
seria suficiente apenas a presença de matéria orgânica
humana na ração bovina para causar a doença
da vaca louca, mas seria necessário que fossem de pessoas
portadoras da doença neurodegenerativa Creutzfeldt-Jakob
(CJD), cujo primeiro caso foi registrado em 1965 na Índia.
Atualmente, uma variação desta patologia é
conhecida como a versão humana da vaca louca, e passou
a ser diagnosticada na Inglaterra em 1995 naqueles que teriam
consumido carne de bovinos doentes de EEB.
Susaria
Shankar Satishchancra, do Instituto Nacional de Saúde Mental
e Neurociências de Bangalore, na Índia, contesta
a versão do casal de cientistas uma vez que os doentes
de CJD são normalmente cremados e enterrados na comunidade
e, mesmo quando as cerimônias ocorrem nas margens de Ganges,
a maioria dos hindus não colocam corpos que não
estejam totalmente cremados nas águas do rio. Ela afirma
que a incidência de CJD na Índia é de 0.085
casos em um milhão de habitantes, enquanto no resto do
mundo pode chegar a um caso por um milhão de pessoas.
“Cientistas
devem proceder com cautela quando fazem hipóteses sobre
doenças que têm implicações geográficas,
culturais e religiosas vastas”, enfatizou a neurocientista
indiana. Embora pareça uma hipótese esdrúxula
e improvável, pelo menos do ponto de vista “socialmente
aceito”, ela não pode ser descartada até que
testes adicionais sejam realizados. Entre eles estaria o de verificar
o nível de infecção de CJD em bovinos, embora
já tenha sido constatado que a inoculação
de pequena quantidade de tecido cerebral humano em macacos foi
capaz de transmitir a doença.