Vantagem
da soja transgênica está reduzida
e pode ficar comprometida
Praticidade,
eficiência e maior lucratividade foram as vantagens anunciadas
pela Monsanto para atrair muitos sojicultores a consumirem sua
soja transgênica Roundup Ready (RR), uma variedade
resistente ao herbicida glifosato - que também é
produzido pela empresa. Entretanto, pesquisadores do Rio Grande
do Sul têm demonstrado que a compreensão incorreta
desta nova tecnologia causa prejuízos aos agricultores
e poderá ficar comprometida em poucos anos. “O glifosato
dá a falsa sensação de que pode tudo, mas
não pode não. A soja transgênica não
dispensa o manejo de ervas daninhas resistentes e tolerantes e
o acompanhamento profissional adequado”, alerta Dionísio
Gazziero, da Embrapa Soja, que avaliou em seu doutorado o impacto
do glifosato nos sistemas agrícolas.
O uso da soja
transgênica foi motivado pelos problemas que surgiram com
a soja convencional. Alguns agricultores enfrentaram a infestação
de pragas em suas culturas por usarem inadequadamente herbicidas
e não realizarem as práticas de manejo necessárias.
Ervas como o leiteiro, picão-preto e amedoim-bravo tornaram-se
resistentes aos herbicidas que inibiam a enzima ALS – relacionada
ao processo de crescimento das plantas - e passaram a exigir a
utilização de herbicidas com mecanismos de ação
diferentes para seu controle efetivo. O custo do controle das
infestações de plantas daninhas tornou-se impraticável
e os agricultores encontraram a salvação das lavouras
na tecnologia da soja RR.
Em
1999, Gazziero, que já conhecia as alterações
que podem ocorrer na dinâmica de ervas daninhas com o uso
de herbicidas, iniciou um estudo com o objetivo de antever os
problemas que os agricultores poderiam enfrentar com a soja RR.
Suas principais preocupações eram se o glifosato
realmente liquidaria todas as ervas daninhas, o que aconteceria
se surgissem ervas daninhas resistentes e se os conceitos de manejo
integrado seriam desnecessários para a cultura geneticamente
modificada. O pesquisador partiu do princípio de que uma
mesma prática, realizada durante muito tempo, resulta sempre
em respostas da natureza que precisam ser analisadas com cautela
para evitar perdas para o agricultor e comprometer as novas tecnologias
desenvolvidas.
“Minha
conclusão foi óbvia: os conceitos de manejo que
usávamos para a soja convencional continuam válidos
[para a variedade transgênica]. O glifosato é um
meio, não o fim de todos os problemas. As vantagens da
tecnologia da soja transgênica só serão mantidas
se o manejo for feito adequadamente”, diz Gazziero. Assim,
o agricultor precisa ter um cuidado com as ervas daninhas resistentes
e tolerantes ao glifosato, para que não se repitam os problemas
que aconteceram em algumas propriedades com a soja convencional.
O
surgimento de plantas resistentes ao glifosato acontece porque
o herbicida não elimina todos os indivíduos de certas
espécies, apenas os mais suscetíveis. Gradativamente
os mais resistentes são selecionados e surgem as chamadas
“super-ervas daninhas”, de difícil controle.
Já existem casos conhecidos nacional e internacionalmente
de resistência ao glifosato, como acontece com a buva, o
capim-pé-de-galinha e o azevém. “A resistência
é um problema potencial e precisamos nos preocupar com
ele, mas também temos que estar atentos para as ervas daninhas
tolerantes”, ressalta Gazziero, referindo-se às plantas
que não morrem pela ação do herbicida da
Monsanto. A trapoeraba, por exemplo, muito comum em todo o Brasil
e que infesta mais de 80% das propriedades com plantio de soja,
não é eliminada pelo glifosato.
Para evitar
os problemas de pressão de ervas daninhas nos cultivares
de soja RR e minimizar as perdas, o pesquisador da Embrapa recomenda
que o agricultor faça o manejo adequado: a soja não
deve ser plantada em meio às ervas daninhas; as operações
de dessecação (fase anterior ao plantio, quando
são aplicados herbicidas ou misturas visando eliminar plantas
invasoras) precisam continuar sendo feitas; não se deve
economizar nas aplicações; e é preciso estar
atento aos momentos de aplicação do herbicida.
Tecnologia
comprometida
“As vantagens advindas da praticidade e eficiência
em controlar plantas daninhas e o baixo custo do controle na soja
RR, gradativamente, estão sendo perdidas devida a equívocos
de controle adotados, podendo reduzir o tempo de permanência
dessa tecnologia no campo”, conclui Mário Antônio
Bianquil, pesquisador da Fundação Centro de Pesquisa
Fecotrigo (fundacep), a partir dos levantamentos realizados junto
aos departamentos técnicos de 24 cooperativas agrícolas
do nordeste do Rio Grande do Sul, na safra 2003/04.
Bianquil
relata vários casos de usos inadequados da tecnologia que
geraram perdas de, aproximadamente, seis sacas de soja por hectare.
Ele explica que a economia gerada pela adoção da
soja RR foi transferida para a aquisição de fungicidas,
inseticidas e de produtos sem resultados comprovados na cultura
como, por exemplo, os adubos folhares, resultando numa pequena
alteração do custo final de produção
e da rentabilidade da cultura RR em relação à
convencional. Segundo o pesquisador, os prejuízos pela
falta de adaptação dos cultivares RR argentinos
foram encobertos pelas facilidades resultantes da adoção
da tecnologia de soja transgênica; pela super-safra ocorrida
em 2002/03; pelos elevados preços da oleaginosa na safra
seguinte; e pela notoriedade obtida pelo sojicultor gaúcho
em ser pioneiro no uso de soja RR.
Leia mais:
- Erva
daninha transgênica, (artigo de Marcelo Leite, Folha
de S.Paulo de 7 de agosto de 2005).