“Conhecimento
livre é direito universal”,
diz advogado italiano
O
movimento software livre – e, de uma maneira geral, todas
as iniciativas que lutam pelo conhecimento livre – enfrentam
cotidianamente leis que tentam transformar as licenças
livres de software em algo, se não ilegal, inviável
juridicamente. As patentes de software são só o
exemplo mais imediato. Marco Ciurcina, advogado italiano é
um dos principais autores do Manifesto2,
um documento divulgado pela ONG Hipatia que procura estabelecer
um contraponto. Buscando bases legais na Declaração
Universal de Direitos Humanos da ONU e em outros acordos internacionais,
afirma que a cultura livre, a educação e a comunicação
livre são direitos universais.
Ciurcina estará, no final de setembro, no II LacFree, em
Recife, evento que reunirá o movimento software livre de
toda a América Latina. No momento, parte de seu trabalho
acontece junto ao governo venezuelano, que está migrando
seus computadores para o software livre. Ele acompanhou de perto
a tentativa de implementação das patentes de software
na Europa, e afirma: “a batalha foi ganha, mas não
a guerra”. Para ele, o conhecimento livre é uma questão
de ética: “as tecnologias digitais e a internet tornam
possível a qualquer ser humano gozar da liberdade de usar,
copiar, distribuir e modificar qualquer conteúdo; e é
eticamente correto permitir que qualquer um beneficie-se disso”.
Recentemente, o movimento pelo conhecimento livre na Europa
enfrentou um grande desafio que foi a campanha contra as patentes
de software. Você acha que elas foram definitivamente rejeitadas?
Pode comentar um pouco sobre o que aconteceu?
Ciurcina- A batalha foi ganha. Não a guerra.
O fundamental agora é que cresça a consciência
sobre a importância da liberdade do conhecimento livre para
que se construa uma sociedade justa e sustentável. A batalha
contra a regulamentação das patentes de software
foi muito dura. Ainda em setembro de 2003 o Parlamento Europeu
disse não às patentes de software. Mas o processo
legislativo europeu é muito complexo. então, depois
que o Conselho Europeu (órgão formado por representantes
dos governos) anulou o resultado do primeiro voto do Parlamento
foi necessário uma outra votação em julho
passado. Foi uma batalha muito difícil pois os meios disponíveis
àqueles que são favoráveis às patentes
de software são poderosos. Mas, ao final, conseguiu-se
falar com os deputados, em um trabalho boca a boca que obteve
êxito. E a lei foi derrubada com uma votação
quase unânime do Parlamento.
Diversas
iniciativas tem tentado expandir a idéia de liberdade do
software livre para outras áreas, como a arte. Você
acha que essas iniciativas são viáveis? Que paralelo
se pode estabelecer entre a produção de software
e a produção cultural?
Ciurcina- Essas iniciativas são muito
viáveis. De fato, já temos um exemplo exitoso de
conhecimento livre que não é software: a wikipedia,
a enciclopédia livre. O paralelo está nos valores
éticos e na idéia que está por trás
do movimento software livre: as tecnologias digitais e a internet
tornam possível a qualquer ser humano gozar da liberdade
de usar, copiar, distribuir e modificar qualquer conteúdo;
e é eticamente correto permitir que qualquer um beneficie-se
disso. Sobre esses valores e sobre a decisão ética
dos desenvolvedores construiu-se o software livre. Esses valores
se expandirão naturalmente para outras áreas do
conhecimento humano.
Você
tem acompanhado o processo de migração para software
livre na Venezuela? Como avalia o que está acontecendo
por lá?
Ciurcina- Avalio muito bem. O decreto 3390/04
do Governo Venezuelano obriga todo ente governamental a migrar
para o software livre em dois anos. A Venezuela tornou-se o país
com o processo de migração mais interessante. Não
só pelo aspecto técnico ou pela seriedade que está
sendo levado adiante o processo nesse país, mas também
pelo profundo compromisso social que está por trás
da decisão de escolher a via do software livre.
Pensando
nas diferenças entre países desenvolvidos e subdesenvolvidos,
você acha que eles tem razões diferentes para a adoção
de tecnologias livres? As tecnologias livres são mais importantes
para os países pobres do que para os países ricos?
Ciurcina- As tecnologias livres são um
instrumento de liberação humana. Nesse sentido são
fundamentais em qualquer país do mundo, fazem mais iguais
todos os homens do mundo. É claro que o cidadão
de um país em desenvolvimento tem uma vantagem a mais:
o software livre significa um potencial muito mais alto do que
para o cidadão de um país desenvolvido.