Taxa
de aborto no Brasil é maior do que em países onde
a prática é legalizada
O
Dia pela Despenalização do Aborto na América
Latina e Caribe, comemorado no último dia 28, traz à
tona os conflitos e riscos que envolvem a questão. Particularmente
no Brasil, o debate é essencial porque a Câmara dos
Deputados caminha a passos lentos para discutir um anteprojeto
que acrescenta novas condições para permitir a realização
do aborto. De acordo com Aníbal Faundes, médico
da Unicamp e Presidente do Comitê de direitos sexuais e
reprodutivos da Federação Internacional de Ginecologia
e Obstetrícia (Figo), a taxa de aborto no Brasil (35 a
40 abortos a cada mil mulheres) é bem maior do que a taxa
de países onde o aborto é permitido pela lei, como
a maior parte da Europa Ocidental (10 abortos a cada mil mulheres).
A grande diferença é que nesses países a
educação sexual existe desde a infância, o
conhecimento sobre métodos contraceptivos é praticamente
universal e o acesso a esses métodos está ao alcance
de todos.
O
anteprojeto de lei que trata de novas condições
para a realização do aborto foi elaborado pela comissão
tripartide (composta por representantes do Executivo, Legislativo
e Sociedade Civil) e deve ser incorporado ao projeto de lei 1.135,
da deputada Jandira Feghali (PC do B), que tramita na Câmara
desde 1991. As duas propostas descriminalizam o aborto até
a 12º semana de gravidez e em qualquer idade gestacional,
caso haja risco de vida à mãe ou quando houver má
formação fetal incompatível com a vida. Garantem
também que o SUS realize o aborto e retiram os artigos
do Código Penal que tratam a interrupção
da gravidez como crime.
No
dia 1º de setembro era esperado que o anteprojeto fosse entregue
à Câmara para o parecer de Feghali e o futuro encaminhamento
da proposta para votação na Comissão de Seguridade
Social e Família (CSSF). A entrega do anteprojeto só
aconteceu no dia 27 e o adiamento deve ter ocorrido por pressões
da Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB).
Antes, no dia 8 de agosto, o presidente Lula enviou uma carta
a Dom Geraldo Majella em que diz: "quero, pela minha identificação
com os valores éticos do Evangelho, e pela fé que
recebi de minha mãe, reafirmar minha posição
em defesa da vida em todos os seus aspectos (...) nosso governo
(...) não tomará nenhuma iniciativa que contradiga
os princípios cristãos.” Em resposta à
carta, a CNBB declarou: "confiamos que tais propósitos
sejam traduzidos em gestos concretos, inclusive quando isso exigir
o exercício de seu poder de veto, seja de projetos de lei,
seja de destinação de recursos financeiros".
Em
2004, foi concedida uma liminar, que durou quatro meses, liberando
o aborto de fetos com anencefalia. Este ano, o Ministério
da Saúde desobrigou as mulheres vítimas de estupro
a apresentarem Boletim de Ocorrência nos hospitais públicos
quando decidirem fazer o aborto.
De
acordo com dados da Organização Mundial de Saúde
(OMS), 6 milhões de abortos são feitos todo ano
na América Latina, sendo 1,4 milhão só no
Brasil. De 13 a 15% das mortes maternas em conseqüência
da gravidez se refere ao aborto. Essas mortes refletem a precária
situação em que os abortos são feitos, conseqüência
de uma legislação restritiva: a interrupção
da gravidez só é legal em caso de estupro ou quando
há risco de vida para gestante. Segundo dados do Ministério
da Saúde, a cada ano, 250 mil mulheres são internadas
em hospitais do Sistema Único de Saúde (SUS) por
complicações que aparecem após abortos feitos
de forma ilegal ou abortos espontâneos. “Manter o
aborto ilegal é ineficaz, injusto (porque penaliza as mulheres
mais pobres) e traz graves conseqüências para a saúde
da mulher e para a sociedade”, conclui Faundes.
Plebiscito
Também está em tramitação na Câmara,
um projeto que prevê a convocação de um plebiscito
sobre a permissão do aborto até a 12º semana
de gestação. A proposta é do deputado Osmânio
Pereira (sem partido-MG) e determina que a consulta seja realizada
até outubro de 2007. “O grande problema do plebiscito
é que a população é muito influenciada
pela religião”, afirma Faundes.
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