Afro-americanos
buscam passado escravo em teste de DNA
Uma novidade vem caracterizando a prática já conhecida de alguns
afro-americanos de recorrer aos testes de DNA para buscar possíveis ancestrais
africanos e reconstruir suas genealogias: alguns deles estão disponibilizando
os resultados de seus testes genéticos, juntamente com outros dados pessoais,
em bancos de dados públicos existentes na internet . A esperança
é a de descobrir parentes através da comparação entre
testes de DNA. Além da África, o interesse agora tem sido o resgate
de um passado mais recente: a escravidão.
Milhares
de afro-americanos recorrem anualmente ao crescente mercado dos laboratórios
comerciais especializados na chamada "genealogia de DNA", um exame através
do qual é feita uma comparação entre a sequência de
genes de um indivíduo com coleções de DNA coletadas junto
às populações que vivem em várias regiões e
países do continente africano. Os afro-americanos esperam, com isso, preencher
as lacunas existentes nas suas árvores genealógicas e saber mais
sobre os seus antepassados.
Essa
utilização da genética para se buscar informações
sobre a origem e o passado vem se tornando cada vez mais popular nos Estados Unidos,
a despeito dos alertas feitos pela comunidade científica. Isso porque os
testes têm capacidades limitadas para informar aquilo que grande parte dos
afro-americanos que a eles recorrem realmente quer saber, ou seja, em qual lugar
da África os seus ancestrais viveram e de qual reino, aldeia ou etnia eles
provinham. Segundo os cientistas, o máximo que se pode esperar de um teste
de genealogia de DNA é se a sua sequência genética é
equivalente a de africanos que vivem atualmente em um dado país ou região
e cujo DNA faça parte de um banco de dados. Somente informações
sobre parentescos contemporâneos é que são possíveis,
portanto.
Diante
disso, afro-americanos, muitos deles mais idosos, estão disponibilizando
os resultados dos seus testes genéticos em bancos de dados na internet
esperando encontrar possíveis parentes que compartilhem do recente passado
da escravidão. Muitos estão pedindo a pessoas brancas - em relação
às quais suspeitem que possam ser irmãos, primos ou ter qualquer
outro grau de parentesco - que façam o teste de DNA.
A
nova prática tem suscitado experiências inesperadas, como relatou
o jornal The New York Times em reportagem publicada no último dia
25 de julho. Muitas pessoas que se auto-identificam como brancas vêm sendo
procuradas por pessoas negras (e vice-versa) e não sabem como lidar com
esse novo parentesco sugerido pelos genes. Um enfermeiro do Alabama começou
a se corresponder por e-mail com um indivíduo porque ambos possuíam
o mesmo sobrenome e uma combinação genética semelhante segundo
um teste de DNA. O suposto parente do enfermeiro se mostrou bastante interessado
no parentesco entre eles, até que o último lhe indicou um site contendo
fotos de sua família cujos membros são todos negros. O parente,
branco, recém-descoberto pelo enfermeiro, negro, através de um teste
de DNA, simplesmente desapareceu.
Os
testes de DNA também estão sendo utilizados para outros fins mais
"pragmáticos". Um executivo de um laboratório genético
- a Family Tree DNA,
empresa que oferece testes genéticos a partir de US$129- relata, por exemplo,
um caso curioso ocorrido em sua empresa: um afro-americano, após confirmar
que a sua sequência de DNA combinava com a de um homem branco, cujos ancestrais
haviam sido donos do seus, durante a época da escravidão, exigiu
uma indenização que deveria ser iniciada pelo pagamento do próprio
teste de DNA.
Genes
e identidades no Brasil
No
Brasil, a empresa Gene-Núcleo de Genética Médica oferece
a chamada genealogia por DNA em três modalidades: exames de ancestralidade
materna (através da análise do DNA mitocondrial), de ancestralidade
paterna (análise do cromossomo Y) e de ancestralidade genômica, ou
seja, aquela em que se busca a origem biogeográfica do genoma visando-se
distinguir a presença de genes de origem européia, africana e/ou
ameríndia no indivíduo. O proprietário da Gene é
o geneticista Sérgio Danilo Pena, ligado à Universidade Federal
de Minas Gerais e um dos autores de Retrato Molecular do Brasil pesquisa
divuldada em 2000 e que gerou polêmica ao tratar das origens biológicas
do povo brasileiro. Os resultados da pesquisa indicaram que, na amostra analisada
(200 homens que se auto-identificaram como brancos) havia uma maior frequência
de marcadores genéticos de origem africana e/ou ameríndia do que
de origem européia. Portanto, os brasileiros seríamos todos misturados.
Lideranças
do movimento negro questionaram a pesquisa por ela reforçar, através
da biologia, o discurso da miscigenação que tende, por sua vez,
a ser associado à existência de uma democracia racial, o que seria
preocupante num contexto em que as discussões sobre o racismo e a necessidade
de se implantar políticas públicas para combatê-lo ganhavam
força. A pesquisa de Pena forneceria, desta forma, um respaldo biológico
para o discurso da mestiçagem que, muitas vezes, é acionado para
se minimizar o racismo e as desigualdades raciais existentes no Brasil. Retrato
Molecular do Brasil gerou muita repercussão, inclusive em relação
aos procedimentos científicos utilizados.
Para
saber mais
- Artigo Qual
"retrato do Brasil"? Raça, biologia, identidades e política
na era da genômica de Ricardo Ventura Santos e Marcos Chor Maio (Revista
Mana, 2004).