Faltam
informações sobre Aids na população
negra
No
último dia 16, o Ministério da Saúde juntamente
com o Programa Estratégico de Ações Afirmativas
lançou o Programa contra Aids dirigido à população
negra. A prioridade é, em um primeiro momento, o levantamento
de dados relacionados à “raça” (auto-identificação),
que até 2001 não fazia parte dos relatórios
de incidência da doença, para então se traçar
projetos de políticas públicas. “Reconhecer
que sabemos pouco sobre população negra e racismo
dentro da Aids e ampliar esta discussão é a principal
meta do programa”, afirmou Karen Bruck, assistente técnica
da Coordenação Nacional de DST/Aids.
O
perfil da Aids, que foi se modificando desde seu aparecimento
nos anos 80, passou a apresentar uma pauperização,
e apenas com o aumento dos dados recentes que incluem raça
nos bancos de dados sobre Aids, verificou-se também um
aumento não proporcional da doença na população
negra. “Existe uma sobreposição entre população
negra e pobreza e que deve ser investigada no caso da Aids”,
afirma Francisco Inácio Bastos, que pesquisa as tendências
da epidemia de Aids no país no Centro de Informação
Científica e Tecnológica da Fiocruz.
Existem
poucos dados que diferenciam a incidência dos soropositivos
(portadores do vírus HIV) de acordo com a raça na
população brasileira. Alguns dos disponíveis,
no entanto, apontam um risco maior entre os negros, a exemplo
dos índices publicados na tese de doutorado Mulheres
e homens negros: saúde doença e morte de Luís
Eduardo Batista, da Unesp de Araraquara, em 2002. Os dados relativos
ao estado de São Paulo de 1999 a 2000, mostram que a incidência
do HIV entre homens negros era de 25,9 para cada 100 mil óbitos,
enquanto para os brancos era de 14,4/100 mil. Já no caso
das mulheres negras as mortes equivaliam a 11,39/100 mil e entre
as brancas a 4,92/100 mil. Mais do que apontar uma maior mortalidade
entre a população paulista negra, o estudo revela
que as mulheres negras têm uma chance de morrer de Aids
muito próxima a dos homens brancos, ou seja, há
um peso diferenciado do morrer, como definiu Maria Inês
da Silva Barbosa, diretora da Subsecretaria de Políticas
de Ações Afirmativas. “Por que o negro está
morrendo mais?”, questiona.
O
trabalho em 2003 por Fernanda Lopes, da Faculdade de Saúde
Pública da USP, pode dar algumas pistas. Depois de analisar
1.068 mulheres (542 negras e 526 não-negras) maiores de
18 anos atendidas em serviços públicos de referência
para o tratamento de DST/Aids do estado de São Paulo, ela
concluiu que as negras são mais vulneráveis à
reinfecção e ao adoecimento do que as não-negras.
Entre as explicações apontadas no estudo está
o fato dessas mulheres terem dificuldades de acesso à educação
formal, condições de moradia e habitação
menos favoráveis, baixo rendimento individual e familiar
per capita, mais dificuldade de acesso ao teste diagnóstico
e, quando se descobrem soropositivas, deixam de receber informações
importantes para melhoria de sua qualidade de vida.
O
grande problema, de acordo com a diretora da Subsecretaria de
Políticas de Ações Afirmativas, é
a existência de um sistema de saúde que se propõe
de acesso universal e igualitário, como o Sistema Único
de Saúde (SUS), mas que acaba camuflando a diferente prevalência
de doenças na população negra. Assim, a iniciativa
do Ministério da Saúde foi bem recebida por Francisco
Bastos, da Fiocruz. Porém, ele enfatiza que é preciso
priorizar, sobretudo, os dados em relação ao adoecimento,
morte e acesso ao tratamento entre a população negra,
quase inexistentes.
A
iniciativa brasileira não é pioneira, há
exemplos de incluir a variável raça nas estatísticas
sobre Aids também em países desenvolvidos, como
Inglaterra e EUA. Mesmo assim, trata-se de uma preocupação
recente que agora entra no debate internacional. Um exemplo foi
a preocupação da Fundação de Ciência
Austríaca (FWF, na sigla em alemão), que recomendou,
neste mês, a inclusão das diferenças culturais
(minorias étnicas) e de gênero, quase nunca presentes,
nos planejamentos dos sistemas de saúde modernos, de forma
a melhorar a qualidade e expectativa de vida destes pacientes.
Entre
as metas do Programa de combate à Aids entre a população
negra brasileira, está, a curto prazo, a capacitação
de “pelo menos 50%” dos técnicos da rede do
SUS, como frisou Barbosa, com a participação de
profissionais negros, além do desenvolvimento de estratégias
de comunicação entre usuários e profissionais
da saúde de modo a sensibilizá-los para a existência
de diferenças na incidência da doença na população
negra. Também estão programadas parcerias entre
as universidades e os movimentos sociais, para melhorar as informações
e se traçar políticas públicas que poderão
sustentar a longo prazo uma mudança no quadro de saúde
dos negros.