O
vai-e-vem do padrão brasileiro
As
declarações do novo ministro das Comunicações,
Hélio Costa (PMDB), a respeito do projeto de desenvolvimento
e implantação do Sistema Brasileiro de TV Digital
(SBTVD) têm sido alarmantes. Na semana passada, durante
a cerimônia de nomeação do secretário-executivo
do ministério, Jean-Claude Frajmund, e do consultor jurídico,
Marcelo Bechara, ele afirmou ao jornal O Estado de S.Paulo que
"lamentavelmente não temos condição
de fazer um padrão de TV digital". Mas no início
desta semana, por intermédio de Augusto Gadelha, integrante
do Comitê Gestor e do Ministério das Comunicações,
que participava de debate
sobre a TV digital em reunião da Sociedade Brasileira para
o Progresso da Ciência (SBPC), garantiu e pediu para que
fosse esclarecido ao público da SBPC que todas as pesquisas
na área continuam e que a questão da inclusão
digital é assunto fundamental de qualquer governo na atualidade.
No
entanto, um novo anúncio feito ontem durante a 4ª
Jornada de Integração do projeto SBTVD coloca novas
dúvidas sobre a continuidade do projeto. Trata-se do contingenciamento,
pelo governo federal, de R$ 14 milhões que seriam usados
no projeto. Para Ricardo Benetton, diretor de TV Digital do CPqD,
instituição responsável pela coordenação
das pesquisas na área, esse corte pode prejudicar a fase
de testes do sistema. A sugestão do ministro é que
se busque apoio da iniciativa privada ou linhas de financiamento
do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social
(BNDES).
Desde
2003, o Ministério das Comunicações realiza
pesquisas para que o Brasil desenvolva seu padrão próprio
de TV digital, aquela que integrará transmissão
em alta definição e interatividade. Ao invés
de desenvolver um padrão próprio, o ministro se
mostra mais inclinado a importar tecnologia estrangeira, o que
significaria remeter, em troca, mais dinheiro para o exterior.
Em Campinas, Costa declarou que o que o Brasil desenvolve é
um sistema, pois os padrões de TV digital já estão
estabelecidos e são o estadunidense, o europeu e o japonês
e que temos que aproveitar a tecnologia já existente.
Embora
reconheça que o Brasil pode ter condições
técnicas de desenvolver o padrão, o ministro considera
o custo alto demais para o país. "Como vamos fazer
um padrão com R$ 80 milhões? O padrão japonês
custou US$ 3 bilhões", declarou, provocando uma confusão
com os números. Na verdade, o Brasil tinha esse valor para
investir apenas para o primeiro ano de estudos técnicos,
fase em que os pesquisadores verificam a viabilidade da tecnologia.
De acordo com cálculos de pesquisadores brasileiros, o
custo para desenvolver um padrão nacional seria de US$
250 milhões, bem longe dos US$ 3 bilhões investidos
pelo Japão.
Padrão
em questão
Costa
tem ressaltado a importância da interatividade, uma das
características da tecnologia que ajudaria a combater a
exclusão digital. Ao mesmo tempo, as declarações
do ministro são interpretadas como uma certa "pressa"
em adotar uma das tecnologias já desenvolvidas, em detrimento
de um projeto nacional, que demandaria mais tempo de implantação.
A assessoria de Costa desmente a alegada "pressa", usando
a declaração do ministro de que "em nenhum
momento haverá comprometimento do projeto (de TV digital,
em estudo pelo ministério) com a pressa de implantá-lo".
Desde
o início do governo Lula o ministério das Comunicações,
por iniciativa do então ministro Miro Teixeira, faz estudos
para a criação de um padrão nacional. Takashi
Tome, engenheiro do CPqD, conta sobre o estágio atual:
"O Sistema Brasileiro de TV Digital (SBTVD) tem 22 consórcios
trabalhando, cobrindo praticamente todas as áreas: modulação,
camada de transporte, codificação de áudio
e vídeo, middleware, serviços e aplicações,
canal de retorno. Ao contrário do receio inicial de não
conseguirmos obter bons resultados em algumas áreas particularmente
difíceis - como a transmissão (modulação
digital) ou a codificação de vídeo, os trabalhos
técnicos até o momento têm sido bastante promissores.
Para o middleware, que é um pepino para os outros países,
sempre tivemos bastante auto-confiança, porque o país
é bom em software. Os grandes problemas ocorrem fora dos
laboratórios: são os entraves burocráticos
e as críticas de setores que deveriam estar apoiando o
projeto, que acabam conturbando o ambiente e provocando mais atrasos".
Entre
as vantagens da pesquisa brasileira está a busca por padrões
abertos e livres, em consonância com a política de
apoio ao software livre do governo federal. "Há um
entendimento comum de que o uso do software livre não é
uma questão ideológica, ela traz vantagens concretas.
Ao implementar um software em ambiente proprietário, você
corre o risco de acabar utilizando, inadvertidamente, alguma biblioteca
proprietária, e isso acarreta em custos adicionais. Além
disso, a idéia é que o Brasil se torne um grande
produtor de conteúdo multimídia interativo. Para
possibilitar isso, é necessário que existam boas
ferramentas de criação a um custo módico,
para propiciar a eclosão de pequenas produtoras independentes,
que é o começo desse processo. Uma ferramenta de
edição para os outros middlewares custa entre 7
e 20 mil dólares. São valores proibitivos para uma
pequena produtora.", explica Takashi.
Para
Takashi, se a política de TV Digital brasileira for bem
conduzida, seria "um jogo em que todos podemos ganhar: a
educação porque teria uma poderosa ferramenta interativa
presente em 90% dos domicílios brasileiros; a sociedade,
porque iria usufruir de uma miríade de novos serviços
de informação; as comunidades, porque poderiam dispor
de um canal comunitário usando ferramentas de software
livre; as emissoras comerciais, porque poderiam introduzir uma
série de novos recursos em seus desgastados programas;
e o país, porque além de tudo isso ficaríamos
um pouco menos dependentes de tecnologia estrangeira - o déficit
na balança comercial de componentes eletrônicos foi
de US$ 2,8 bilhões em 2004".
Mas,
até agora, essa não parece ser a condução
pretendida pelo novo ministro, que acredita que o contingenciamento
dos recursos seja temporário, mas que ao mesmo tempo, espera
realmente que a iniciativa provada se manifeste e apóie
o projeto.
Fontes:
http://www.fne.org.br/boletim/marco2004-jun/marco3.htm
http://www.heliocosta.com/noticias/2005/050711-trasmicao.htm
http://circuito.blig.ig.com.br/2005_27.html
http://www.intervozes.org.br/noticias/07-05-001.htm
http://www.estadao.com.br/tecnologia/telecom
/2005/jul/13/48.htm
http://www.radiobras.gov.br/materia_i_2004.php?materia=
232236&q=1
http://www.radiobras.gov.br/materia_i_2004.php?materia=
232232&q=1&editoria=
http://cienciaecultura.bvs.br/scielo.php?pid=S0009-67252004000400008&script=sci_arttext&tlng=pt
http://www1.folha.uol.com.br/folha/dinheiro/ult91u98368.shtml