Testes
de transgênicos em biofazendas
exigem cautela
Apesar de o governo norte-americano apoiar abertamente a tecnologia
dos transgênicos, e das corporações agrícolas
investirem pesadamente em extensas plantações geneticamente
transformadas em seu território, até elas tem procurado
manter distância e cautela das biofazendas, ou campos de
testes de organismos transgênicos capazes de produzir medicamentos.
Sinal de que os lucros que geram não são suficientes
para garantir uma sensação de segurança da
chamada "nova era da biotecnologia".
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Golden
rice, variedade de arroz transgênico que produz
vitamina A, lançada em 1999
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Entre
março e abril deste ano, as biofazendas (ou a prática
do biopharming, do original em inglês) colocaram
em lados opostos a Anheuser-Busch, empresa que produz a cerveja
Budweiser, e a Ventria Biosciences, que testa variedades transgênicas
de arroz capazes de produzir proteína humana a ser utilizada
em medicamentos. A disputa começou quando a Ventria anunciou
sua intenção de plantar 200 acres de seu arroz transgênico
no estado de Missouri, nos EUA, tradicional produtor de arroz.
Após intensa pressão dos agricultores da região
e de gigantes como a Anheuser-Busch e a Grocery Manufacturers
of America - associação de lojas de varejo que representa
US$ 500 bilhões anuais - a empresa de biotecnologia desistiu
de Missouri. A Anheuser-Busch, então, retirou sua ameaça
de boicote ao arroz vindo daquele estado.
A
Ventria, no entanto, agiu rapidamente e direcionou seus esforços
para outro estado, a Carolina do Norte. No último dia 30,
ela conseguiu permissão legal do Ministério da Agricultura
dos EUA (o USDA, na sigla em inglês) para a plantação
de 270 acres (aproximadamente mil km2) de seu arroz capaz de produzir
lactoferrina e lisozima, proteínas normalmente produzidas
no leite materno e em secreções como a lágrima.
Cada grama destas proteínas, usadas em remédios
contra a diarréia e a desidratação, chega
a custar US$ 30 mil. Com o arroz transgênico, a Ventria
espera reduzir o custo de produção dessas substâncias.
Drogas
na cadeia alimentar
Agricultores e ativistas temem a contaminação das
plantações tradicionais com as variedades transgênicas,
seja via polinização cruzada ou pelo extravio de
sementes durante o transporte. Além disso, ambientalistas
afirmam que não há estudos suficientes sobre o efeito
dessas substâncias no ecossistema. Sabe-se muito pouco sobre
como esse arroz pode afetar, por exemplo, pássaros que
dele se alimentem ou o solo em que será plantado.
O
Institute of Science in Society (I-SIS) utiliza-se ainda
dos trabalhos de Joe Cummins, professor da Universidade Western
Ontario, no Canadá, para afirmar evidências de riscos
potenciais de doenças pulmonares derivados da ingestão
desse arroz. "O grande perigo é que essas proteínas
transgênicas são apenas aproximações
das proteínas naturais", afirma Mae-Wan Ho, diretora
do I-SIS.
A
Union of Concerned Scientists (UCS) chegou a pedir, no auge da
crise entre a Ventria e a Anheuser-Busch, que as autorizações
para o plantio de área de testes a céu aberto fossem
analisadas com muita calma, pois esse tipo de tecnologia envolveria
questões ambientais, de comércio e de segurança
alimentar que precisam ser resolvidas de forma pública.
"A UCS recomenda que as plantações de uso farmacêutico
sejam discutidas em um processo científico rigoroso, envolvendo
o público e especialistas não ligados aos interesses
da indústria", disse em comunicado público.
Testes
em segredo
Transparência, contudo, não é o ponto forte
do Ministério da Agricultura dos EUA e nem das grandes
empresas. Respondendo ao questionamento na justiça feito
pela organização Earthjustice, o Ministério
e as empresas foram obrigados a revelar a localização
de diversas biofazendas localizadas no Havaí. Diversas
organizações afirmam que os Estados politicamente
mais fracos dos EUA, como o Havaí e Porto Rico, são
usados como campos de testes da indústria da biotecnologia.
As empresas e o Ministério se negavam a revelar a localização
desses campos alegando temerem atos de vandalismo dos ambientalistas
e atos de espionagem industrial.
No
último dia 29, os EUA autorizaram a empresa Mera Pharmaceuticals
a realizar, no Havaí, testes com uma variedade de algas
transgênicas capazes de produzir vários tipos
de anticorpos humanos. Os ambientalistas afirmam que os fotobiorreatores
- equipamentos onde as células das algas transgênicas
são cultivadas - utilizam água do mar com cloro
e ficam a céu aberto, vulneráveis a danos causados
pelo clima, o que pode contaminar o meio ambiente marinho.
O
caso mais famoso de contaminação causada pelas biofazendas
envolveu uma variedade de milho produzida pela empresa ProdiGene.
Este milho transgênico continha uma proteína destinada
a combater diarréia em porcos, a quem o produto era destinado.
Mas houve a contaminação de fazendas vizinhas e
as plantações tiveram que ser destruídas,
pois o produto não era aprovado nem para o consumo de animais
nem de humanos. Em outro caso, envolvendo a mesma empresa, resíduos
de milho transgênico que produziria substância para
o combate de diabetes contaminaram lavouras de soja. As plantações
também tiveram que ser destruídas. Ao todo, a empresa
teve que pagar US$ 3 milhões como reparação
dos danos e para evitar processos judiciais.
Leia mais:
- Notícia
publicada pelo Instituto de Ciência na Sociedade (Institute
of Science in Society) sobre o embate do arroz transgênico
(texto em inglês).
- Nota
da Associação dos Consumidores de Orgânicos
sobre a questão do arroz transgênico (texto em inglês).
- Carta
da Union of Concerned Scientists sobre cuidados a serem
tomados em plantações de arroz transgênicos
(texto em inglês).