Combate ao monopólio
das comunicações requer fortalecimento da mídia
alternativa
“A mídia tem tido uma grande contribuição
em aumentar os problemas e sufocar as esperanças”.
Foi com essa constatação que João Batista
de Andrade, cineasta e atual secretário da cultura do estado
de São Paulo, iniciou sua participação no
seminário “Mídia e cultura no contexto da
América Latina”, realizado no contexto do Fórum
Permanente de Arte & Cultura da Unicamp no dia 7 de julho.
O evento centrou fogo nas conseqüências para a América
Latina do monopólio das comunicações nas
mãos da iniciativa privada e apontou como caminho o fortalecimento
da mídia alternativa; destacam-se as iniciativas da TV
Sur, TVE e Televisão da América Latina (TAL). Para
tanto, ficou evidente a necessidade de uma efetiva integração
entre os povos dos países latino-americanos para superação
dos problemas técnicos, legislativos, políticos
e culturais.
Susana
Sel, da Universidade de Buenos Aires (UBA), centrou suas críticas
na hegemonia das concessões de TV e rádio na América
Latina. Para ela, tal hegemonia se dá em diferentes níveis
de relação de poder. No primeiro se situam as grandes
corporações, como a Microsoft, que detêm o
controle da maior parte do mercado, organizam a informação
de maneira a concentrar o poder e têm fácil penetração
nos países latino-americanos. No segundo nível estão
as grandes empresas jornalísticas, como o jornal New
York Times e a agência de notícias Reuters,
que dominam a difusão das informações que
chegam à América Latina. Já no terceiro nível,
concentram-se cerca de 90 corporações que lideram
os mercados domésticos nacionais, como a rede Globo no
Brasil, a Televisa no México e a Venevision na Venezuela.
Estas monopolizam os mercados locais de forma semelhante aos grupos
internacionais e possuem características familiares, patriarcais,
como os Marinho no Brasil e os Cisneiros na Venezuela. Eles também
detêm o controle das informações veiculadas,
uma vez que criaram empresas paralelas que passaram a produzir
conteúdo midiático.
“A
hegemonia desses grupos sufoca a produção nacional,
impedindo-a de encontrar espaços para exibição.
Como a grande sala de exposição da cultura brasileira
passou a ser a TV, se não passa na TV, é como se
não existisse”, reclama Andrade. Um dos filmes mais
conhecidos do cineasta brasileiro, O homem que virou suco,
foi premiado em Moscou, mas teve imensas dificuldades em circular
pela América Latina, porque as TVs priorizam o cinema norte-americano
em detrimento das produções locais. Além
de impedir o acesso à riqueza cultural desses países,
o controle privado do conteúdo veiculado compromete o acesso
a diferentes versões dos acontecimentos que envolvem os
povos. O golpe de 2002 ao presidente Hugo Chávez foi utilizado
como exemplo emblemático do uso do monopólio da
mídia nas questões políticas. Poucos tiveram
acesso ao documentário
A revolução não será televisionada
(2003) em que um grupo de irlandeses mostra como a mídia
venezuelana noticiou o golpe. Depois que a população
invadiu o palácio presidencial e recolocou Chávez
no governo, a cobertura da mídia foi suspensa, passando
a transmitir, em todos os canais, desenhos animados.
Um dos empecilhos levantados pelos palestrantes, para que haja
uma efetiva integração entre os países da
América Latina, foi relativo à legislação,
ou melhor, legislações. Há uma diversidade
de leis que, segundo Susana Sel, se mantém para favorecer
os grupos econômicos que detêm as concessões
de TV, rádio e telefonia. A Argentina e Uruguai, por exemplo,
não têm legislações que efetivem as
ações dos meios de comunicação de
massa. Já o Brasil possui uma legislação
antiga, da época da ditadura militar, e as tentativas mais
recentes do governo Lula de regulamentar o setor das comunicações
foram interrompidas. Não se sabe se o Projeto
de criação da Agência Nacional do Cinema e
do Audiovisual (Ancinav) será retomado em algum momento.
“A imprevidência ou o interesse em criar o monopólio
gerou um problema de difícil solução”,
disse o Secretário de Cultura de São Paulo.
TVs
alternativas: a nova era
A TV Sur, a Televisão da América Latina (TAL),
a TVE e a TV Cultura, foram apontadas como iniciativas de peso
no âmbito do combate ao controle da informação
pelos grupos privados. Hélio Lemos Solha, do Instituto
de Artes da Unicamp, destaca que essas emissoras enfrentam problemas
que precisam ser combatidos. Recentemente, conta o pesquisador,
a TV Cultura teria esbarrado no déficit tecnológico
ao tentar evitar a compra de notícias disponibilizadas
pelas agências internacionais de comunicação,
como a Reuters, que mantém monopólios privados
na América Latina. A idéia era criar um canal direto
com as redes locais de vários países latino-americanos
para que elas gerassem notícias locais a serem veiculadas
no país. No entanto, o projeto esbarrou no problema tecnológico:
a maior parte das emissoras latino-americanas não consegue
colocar o seu sinal no satélite. “As universidades
têm pesquisas nesta área, mas não têm
sido chamadas a participar da resolução destes problemas”,
lamentou Solha.
A
pesquisadora argentina defendeu a necessidade das TVs alternativas
terem uma capacidade tecnológica mais elevada e uma direção
política forte para combater efetivamente o que tem sido
chamado de “terrorismo midiático na América
Latina” e conseguir lidar com a diversidade de movimentos
sociais, de indígenas, de mulheres, que lutam contra o
status quo. Susana Sel terminou sua apresentação
com a mesma questão com que havia começado, “temos
[Argentina e Brasil] tanto em comum, o que nos separa?”.
Brincando, felicitou o Brasil pela vitória contra a Argentina
na Copa das Confederações e concluiu: “temos
que pensar que os inimigos são outros”.
Leia Mais:
- Gil
defende regulação do mercado de cultura (Ministério
da Cultura)
- A
batalha da comunicação (Observatório
da Imprensa)
-
No
ar, em 24 de julho (Observatório da Imprensa)