Programa formará
técnicos em software livre e acabará com pretextos
para a pirataria
Quando um computador quebra, em geral leva-se a máquina
a uma pequena loja ou chama-se um técnico que, via de regra,
só sabe mexer no Windows, o sistema de propriedade da Microsoft.
Como o sistema da empresa de Bill Gates é usado em aproximadamente
95% dos computadores pessoais do mundo, dificilmente esses técnicos
são requisitados a dar manutenção em outro
tipo de sistema. Porém, o PC Conectado - programa federal
de financiamento e isenção de impostos para a compra
de computadores dirigido à classe C - deve mudar esse quadro,
inundando o mercado com computadores equipados com GNU/Linux,
o sistema operacional livre, e mais outros 26 aplicativos também
livres.
Essa é uma das maiores críticas ao PC Conectado
(ou PC Cidadão, como preferem alguns). Afirma-se que, ao
se deparar com o primeiro problema técnico e sem haver
assistência técnica disponível, os usuários
tenderão a formatar seus computadores e instalar um Windows
pirata. Ciente do problema, o governo federal prepara-se para
tentar romper esse círculo vicioso. Na próxima terça-feira,
dia 14, deverá ser lançado pelo Instituto Nacional
de Tecnologia da Informação (ITI), em conjunto com
a Sun Microsystems, um novo programa destinado a treinar 500 jovens
em quatro cidades do país para oferecer manutenção
e suporte em GNU/Linux e em aplicativos livres em geral.
O anúncio foi feito pelo presidente do ITI, Sérgio
Amadeu, durante o último Fórum Internacional de
Software Livre, em Porto Alegre. Será um curso de seis
meses. Ao final do curso os alunos passarão por uma prova
e, os aprovados, receberão uma certificação
da Sun e terão sua foto e telefone de contato publicados
em um site. Assim, poderão ser contatados e prestar serviços
aos usuários. "Linux avançado, Solaris (o sistema
operacional da Sun cujo código deverá ser aberto
nos próximos dias), linguagem java, manutenção
de hardware e empreendedorismo estão entre os conteúdos
do curso", afirma André Echeverria, diretor de marketing
da empresa.
Quebrar a espinha da pirataria
Embora o acordo a ser assinado na terça-feira envolva também
o Ministério de Ciência e Tecnologia e do Trabalho,
quem vai bancar tudo é a Sun. "Esse número
de alunos é para a fase piloto. Deve ser expandido no futuro,
assim que surgirem novas parcerias com instituições
educacionais", diz Echeverria. A idéia é que
esses alunos atendam principalmente o mercado de usuários
residenciais. Os conteúdos das aulas atualmente são
de direito exclusivo da Sun Serviços Educacionais, mas
a empresa estuda liberá-los no futuro, para que o curso
possa ser reproduzido por quem se interessar.
Amarrado pelos frequentes contingenciamentos de recursos o ITI,
no convênio, entrou com a idéia. De acordo com Sérgio
Amadeu, é preciso quebrar de algum modo a "rede corsária",
o processo em que o usuário final adquire softwares piratas
a baixo custo e não aprende a usar os sistemas livres.
Os únicos que realmente pagam por licenças de software
são as empresas e o governo.
Em sua apresentação, Amadeu defendeu que quem se
beneficia da pirataria é a indústria de software
proprietário. "Quando a IBM tornou o seu padrão
de hardware aberto [o IBM PC] e permitiu a replicação,
Bill Gates se aproveitou da oportunidade para disseminar, via
pirataria, sem abdicar dos direitos exclusivos, seu sistema operacional",
afirmou. Sendo conivente com a cópia não autorizada
feita pelos usuários e oferecendo inicialmente de graça
para certas empresas o seu sistema, a empresa conseguiu monopolizar
o mercado e viu seus lucros crescerem a longo prazo.
Com essa estratégia, a Microsoft teria conseguido amealhar
um faturamento bilionário, com uma margem de lucro gigantesca.
"Só em 2004, a empresa obteve um faturamento de US$
36,6 bi e um lucro líquido de US$ 8,2, correspondendo a
22%, percentual de lucro muito maior que o obtido pela absoluta
maioria dos empreendimentos de outros setores da economia. Esse
lucro líquido é maior que o mercado brasileiro e
o indiano de software", apontou Amadeu. A monopolização
da Microsoft teria atingido tal grau que o economista Alan Story,
especialista em propriedade intelectual, definiu o acordo Trips
da Organização Mundial de Comércio (OMC),
aquele que permite o monopólio do conhecimento via patentes,
como uma tentativa de "Microsoftzação"
do mundo.
O presidente do ITI também questionou o uso da palavra
pirataria para a definição da cópia não
autorizada de software. Amadeu prefere o termo "corsários
digitais". Corsários eram aqueles que, no século
XVI, tinham uma carta da rainha da Inglaterra que os autorizava
a saquear e pilhar navios portugueses e espanhóis. Agiam,
assim, a serviço do poder. O s corsários digitais,
que fazem pirataria de software, estão a serviço
da manutenção do monopólio dos códigos
de computador de empresas como a Microsoft.