Estudo
aponta viabilidade de aproveitamento
de alimentos em latas amassadas
No Brasil entidades como a Agência Nacional de Vigilancia Sanitária
e Instituto de Pesos e Medidas não recomendam o consumo de alimentos que
estejam em embalagens metálicas danificadas. Segundo esses órgãos,
produtos nessas condições representariam riscos à saúde.
Mas isso "não é necessariamente verdade", afirma Sílvia
Dantas, pesquisadora do Centro
de Tecnologia de Embalagens (Cetea) do Instituto de Tecnologia de Alimentos
(Ital). De acordo com ela, houve uma recente evolução dos materiais
utilizados nas embalagens, o que dificulta a contaminação pela corrosão
do material metálico ou pelo destacamento do verniz que reveste a parte
interna das embalagens.
Dantas
coordena o projeto Latas amassadas: dimensionamento do índice de rejeição
e avaliação da possibilidade de consumo em programas de suprimento
de alimentos para populações carentes, financiado pela linha
de apoio a políticas públicas da Fundação de Amparo
a Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp). No trabalho, foram analisadas
20 amostras de latas amassadas na primeira fase do projeto e nenhuma apresentou
contaminação dos alimentos por resíduos de metais. Também
não foi possível estabelecer uma relação entre as
bactérias encontradas dentro de algumas das vinte outras latas que passaram
por análises microbiológicas e o fato de estarem amassadas. "As
bactérias encontradas são mais características de um possível
subprocessamento dos alimentos, do que de algum tipo de vazamento decorrente de
danos na região de fechamento das embalagens", acrescenta a pesquisadora.
O objetivo
do trabalho do Ital é avaliar se os alimentos enlatados com embalagens
danificadas e considerados impróprios para comercialização
ainda apresentam condições para consumo com foco no suprimento alimentar
da população carente. Além disso, o projeto pretende estabelecer
um padrão de referência detalhado para o aproveitamento desses alimentos,
visando principalmente um aproveitamento pelos chamados Banco de Alimentos e por
outros programas de suprimentos alimentar para populações carentes.
As próprias amostras analisadas foram recolhidas de Bancos de Alimentos
das cidades de Santo André e Campinas, ambas do Estado de São Paulo.
"A nossa idéia é dar subsídios para que se mudem as
determinações estaduais e federais, oficializando o aproveitamento
desses alimentos", acrescentou a pesquisadora.
De acordo com dados
levantados na pesquisa, o percentual de latas amassadas nos supermecados brasileiros
varia de menos de 1% a 15%, número que varia de acordo com as políticas
de prevenção a danos nas embalagens feitas nos supermercados. A
média geral da ocorrência de amassamento nos grandes, médios
e pesquenos supermercados, estipulada pelo pesquisadores, chega a 3,6% - o que
corresponderia a cerca de 191 mil toneladas de alimentos por ano.
A questão
ambiental, segundo a pesquisadora, também é relevante no aproveitamento
dos alimentos de latas amassadas porque o descarte das latas com os alimentos
dificulta o processo de reciclagem. Hoje no Brasil, 60% do lixo recolhido na área
urbana é formado por alimentos.
Estatuto
do Bom Samaritano
Não
possuir um padrão de referência que permita aproveitar os alimentos
de latas amassadas é apenas um dos fatores que dificulta o processo de
doação de alimentos para quem precisa. "Os restaurantes não
distribuem o residual de alimentos, assim como muitos supermercados e distribuidoras
não doam porque podem ser responsabilizados por problemas de saúde",
afirma Dantas. A aprovação do Estatuto
do Bom Samaritano, que tramita no Congresso Nacional, prevê justamente
que essa responsabilidade seja transferida para os Bancos de Alimentos.
"Os
programas de Bancos de Alimentos representam uma forma de atenuar essa irracionalidade,
servindo como filtro seletivo para garantir a qualidade do produto doado e a dignidade
de quem o recebe", informa Walter Belik, professor do Instituto de Economia
da Unicamp e diretor superintendente da ONG Apoio Fome Zero, em artigo
publicado no jornal Valor Econômico. Os programas surgiram nos Estados
Unidos na década de 60, onde existem mais de 200 pólos de coleta
e distribuição, que abastecem 50 mil agências assistenciais.
No Canadá, 800 mil pessoas são atendidas diariamente por uma estrutura
de bancos de alimentos que são abastecidos com doações juridicamente
estabelecidas e articuladas pela sociedade civil.