Remédio
exclusivo para negros causa polêmica nos Estados Unidos
Um novo medicamento tem gerado controvérsias nos Estados Unidos. O Conselho
da Administração de Drogas e Alimentos (FDA, sigla em inglês)
aprovou, por unanimidade, no último dia 17, a recomendação
do BiDil, remédio voltado para o tratamento de insuficiência cardíaca
exclusivamente dos afro-americanos, produzido pelo laboratório Nitromed.
A decisão final da FDA ainda está sendo aguardada e se for de fato
autorizado, o BiDil será o primeiro medicamento destinado especificamente
para um grupo "racial".
A
autorização para a produção do BiDil havia sido negada
pela FDA em 1997 após a realização de testes clínicos
para uso geral que indicaram um baixo índice estatístico de reversão
dos quadros de insuficiência cardíaca. Mas os mesmos testes, realizados
pela própria Nitromed, indicavam que o remédio seria mais eficaz
em indivíduos negros, o que motivou em 2004, uma nova série de testes
que revelaram, segundo a empresa, um índice de 43% de redução
na mortalidade de pacientes negros vítimas de ataques cardíacos,
numa amostra de 1050 indivíduos. A explicação seria a de
que os negros com insuficiência cardíaca teriam quantidades menores
de óxido no organismo, ao contrário de outras "raças".
O BiDil atua na reversão dessa deficiência.
A polêmica
em torno do remédio explodiu em novembro de 2004, quando os resultados
dos testes com pacientes negros foram apresentados no The New England Journal
of Medicine. Imediatamente, geneticistas da Universidade Howard -instituição
fundada em 1867 cujos professores e alunos são majoritariamente negros,
e que se notabilizou nos EUA pela importante atuação na luta pelos
direitos civis no país, -se posicionaram contra o remédio ao questionar
a atribuição de doenças a "raças". Para
eles, apenas a ligação entre doenças e genes é que
é cientificamente válida e dispensa completamente a noção
de "raça". A aceitação da "raça"
como um elemento relevante para a pesquisa médica abriria um perigoso precedente:
o risco de a idéia de que os seres humanos são biologicamente distintos
entre si seja retomada.
O
fato de o BiDil estar baseado na idéia de que existiriam diferenças
"raciais", com base genética, entre negros e membros de outras
"raças" continua dividindo a comunidade médica nos Estados
Unidos. Cardiologistas e geneticistas que se posicionaram contra o medicamento
afirmam que a noção biológica de "raça"
carece de comprovação científica. Por outro lado, associações
de médicos negros e outras organizações políticas
afro-americanas acreditam que o medicamento representa um avanço positivo
na redução das disparidades de tratamento médico entre brancos
e negros nos Estados Unidos.
Estratégia
Racial
A polêmica em torno do BiDil também diz respeito
aos precedentes abertos pelo laboratório Nitromed em relação
ao mercado farmacêutico. A estratégia utilizada pelo laboratório
-focalizar num grupo "racial" um remédio que se mostrou inadequado
para a população em geral - é vantajosa do ponto de vista
econômico, na medida em que diminui os custos com os testes clínicos.
Corre-se
o risco de que a prática adotada pela Nitromed torne-se uma tendência
entre as indústrias farmacêuticas tendo-se em vista, principalmente,
um outro lado da questão: as vantagens relacionadas ao patenteamento. Se
o BiDil fosse aprovado para o público em geral, a patente do remédio
expiraria em 2007. Ao ser definido como um remédio voltado especificamente
para um grupo "racial", foi feita uma nova patente e o laboratório
deterá o monopólio da produção do remédio até
o ano de 2020.