Comunidade
software livre conserta alianças para o futuro
no Fórum anual
Medo, Incerteza e Dúvida (reunidos na sigla FUD, do inglês
Fear, Uncertainty and Doubt) é o termo que o movimento
software livre usa para designar os boatos e mentiras que a grande
indústria do software costuma espalhar para denegrir os
programas livres. Não chegou a haver medo, mas incertezas
e dúvidas puderam ser sentidas claramente pelos corredores
do sexto Fórum Internacional de Software Livre (FISL 6.0),
como foi chamado pela organização - que aconteceu
entre os dias 1 e 4 de junho, na capital gaúcha, Porto
Alegre.
Os
motivos para isso foram vários. O que era um grande sentimento
de esperança no ano passado, segundo do governo Lula, que
mostrava resultados iniciais promissores do início da migração
dos sistemas federais para o software livre, ganhou ares de choque
de realidade. Confrontado com a sólida burocracia governamental
e com a oposição de alguns setores de dentro e de
fora do governo, os resultados concretos na administração
federal têm se mostrado satisfatórios, mas nem sempre
empolgantes.
Ao
mesmo tempo, duas iniciativas anunciadas pouco antes do FISL 6.0
foram lançadas oficialmente e tiveram debates iniciais
em Porto Alegre, mas, até lá, geraram muitos boatos
em listas de discussões. Foram elas a Organização
Mundial de Software Livre (OMSL), empreitada de nome megalomaníaco
capitaneada pelo vice-presidente de tecnologia do Banco do Brasil
e dirigida ao mundo corporativo; e a Free Software Foundation
Latin América (FSFLA), filial da organização
presidida por Richard Stallman, o criador da definição
de software livre. Depois que os diretores da FSFLA anunciaram
que mantinham as primeiras conversas para sua criação
assumiram um silêncio sepulcral, não respondendo
a nenhuma mensagem daqueles que buscavam colaborar no processo,
o que deu margem a todo tipo de boataria e especulação.
Em
debate, o futuro
Ao lado de grandes empresas como a Sun Microsystens, IBM e a UniSys,
a presença do governo federal foi marcante. Ministério
da Saúde, do Planejamento, de Ciência & Tecnologia
e o Instituto Nacional de Tecnologia da Informação
(ITI) tiveram seus estandes. Banco públicos como a Caixa
Econômica Federal e Banco do Brasil também estiveram
presentes como patrocinadores e expositores. Dividindo o espaço
com essas instituições no salão de exposições
ficou a comunidade, representada pelas pequenas empresas de tecnologia
- tentando sobreviver com novos negócios - e pelos grupos
de usuários, vendendo camisetas.
Comunidade,
governo e empresas estiveram lado a lado na principal mesa do
evento, intitulada "O futuro do Software Livre no Brasil
em debate", realizada na sexta-feira. Em um grande palco
se amontoaram representantes históricos do movimento no
Brasil, como Marcelo Branco, Augusto Campos e Marcelo Tosatti
- responsável oficial por umas das versões do Linux
-; executivos de empresas como a Sun e a IBM; e representantes
do governo, como Sérgio Amdeu, do ITI, e Cezar Alvarez,
assessor do presidente da república.
Cerqueira
César, do Banco do Brasil, também presente na mesa,
foi responsável pelos momentos mais tensos, ao acusar a
comunidade de resistir à profissionalização
e entrar em conflito com Tosatti e Piter Punk, outro representante
da comunidade. Foi vaiado. Da comunidade, o ataque mais forte
veio de Branco que afirmou: "O Software Livre não
pode se sustentar só no governo, só na academia
e muito menos só no trabalho voluntário, mas no
mercado formal, gerando emprego e renda". Foi um recado ao
governo e às empresas, de quem espera estímulo para
que se constitua no Brasil um mercado consistente e que poderia
dar emprego a alguns dos mais de 4 mil hackers que participaram
do FISL 6.0. Pelo governo, Amadeu, do ITI, propôs transformar
o uso de software livre em regra a constar no Plano Plurianual.
Seria um meio para injetar dinheiro de forma consistente, que
tem sido reduzido insistentemente pelos contingenciamentos do
Ministério da Fazenda, e pressionar a burocracia governamental.
Que
venham os negócios
De fato, a tônica deste FISL pareceu ser a discussão
sobre modelo de negócios que tornem todo o movimento mais
sustentável, para que assim todos possam "viver do
que gostam". Foi este o Fórum que contou com a maior
participação dos membros da Open Source Initiative
(OSI, Iniciativa pelo Código Aberto), movimento preocupado
especificamente em convencer os executivos a adotarem softwares
desse modelo. Surgido no fim da década de 1990, o movimento
Código Aberto criou uma dissidência dentro do movimento
software livre ao fundar uma instituição que acabou
rivalizando com a FSF de Stallman. A característica principal
da OSI é adotar um discurso que se pretende politicamente
neutro e que enfatiza a qualidade técnica superior dos
programas livres (ou abertos, como preferem eles).
O
fundamento do elogio da qualidade técnica superior desses
softwares estaria no método de produção chamado
"bazar". Em contraposição ao modelo "catedral",
de produção centralizada e controlada, o modelo
"bazar" se caracterizaria pela atualização
e liberação freqüente na internet do software
produzido. Testado por um número maior de pessoas, que
também teriam acesso ao seu código fonte e poderiam
sugerir alterações, o software seria quase que naturalmente
mais evoluído.
Quem
identificou esse método de produção foi Eric
Raymond, presente pela primeira vez no Brasil durante o FISL 6.0.
Ele também foi o principal articulador da criação
da OSI e, desde então, só se equipara a Linus Torvalds
(o criador do Linux) e Richard Stallman no quesito grau de exposição
à mídia.
A
base da idéia de software livre está na defesa de
que é antiético que aos usuários e desenvolvedores
de software não sejam oferecidas as quatro liberdades essenciais:
para usar, alterar, copiar e distribuir o software. Segundo Raymond
colocou durante palestra, a OSI evita usar o discurso sobre a
liberdade, substituindo-o pela propaganda da melhor eficiência
técnica dos programas construídos no modelo "bazar"
- o que só é possível com os softwares de
licenças livres. Ele afirma que falar sobre a liberdade
afugenta as empresas e, então, para convencê-las
a usar os softwares de código aberto/livre, seria preciso
usar outros argumentos.
Raymond
também questionou a estratégia de primeiro convencer
as pessoas da importância da liberdade oferecida pelos softwares
livres para que em um segundo momento elas passem a utilizá-los.
Para ele, seria mais eficiente fazer com que as pessoas usem softwares
livres e, ao usarem, elas se convenceriam de suas vantagens técnicas.
Assim, Raymond defendeu uma estratégia de convencimento
"de cima para baixo", ou seja, que primeiro sejam convencidos
os gerentes de grandes empresas e os governantes, que imporiam
sua decisão aos usuários.