Governo quer converter dívida externa em investimentos na educação
O Ministério da Educação (MEC) anunciou,
no último dia 23, a criação do Comitê
Social da Conversão da Dívida em Educação.
Trata-se de um grupo de estudo técnico cujo trabalho deve
subsidiar uma reivindicação que não é
nova, mas vem ganhando fôlego na América Latina desde
2003: converter parte da dívida externa de países
pobres em recursos para a educação. A primeira vista,
a idéia parece uma alternativa louvável, dada a
atual carência de recursos existentes para a área.
No entanto, o assunto é controverso entre pesquisadores,
ONGs e movimentos sociais, pois a "troca" pode estar
condicionada na aceitação de condições
impostas pelos credores internacionais.
Entre
as instituições que tem procurado debater a questão,
está a organização não-governamental
Ação
Educativa, que congrega cerca de 70 membros e colaboradores,
entre professores universitários e educadores. Camilla
Croso Silva, que coordena um dos programas da entidade, denominado
Observatório da Educação, acredita que os
principais argumentos daqueles que são contrários
baseiam-se na idéia de que a iniciativas deste tipo partem
dos próprios países credores. Deste modo, a conversão
teria o objetivo de atenuar a pressão dos movimentos sociais
e organizações não-governamentais por políticas
sociais, tanto internamente quanto externamente, determinando
a realização de projetos educacionais segundo interesses
dos próprios credores. Além disso, acredita-se que
acordos como esse devem ser precedidos por uma renegociação
da própria dívida externa, contraída irregularmente
por países pobres durantes regimes militares. Segundo a
educadora, para os que se opõem, "fazer um acordo
desta natureza implica em reconhecer o montante da dívida
como legítimo, além de desrespeitar o artigo 26
das disposições transitórias da Constituição
de 1988, que prevê um 'exame analítico e pericial
dos atos e fatos geradores do endividamento externo brasileiro'",
afirma.
Algumas
instituições, como a Confederação Nacional dos Trabalhadores
da Educação (CNTE), fazem campanha pela aprovação
do acordo. Segundo eles, trata-se de um momento propício para obter mais
recursos para a educação, tão escassos atualmente.
A
idéia de países pobres buscarem transformar parte da dívida
externa em investimentos em educação foi lançada por um conjunto
de ministros de países latino-americanos, com apoio do governo espanhol,
em setembro de 2003, durante a 13ª Conferência Íbero-Americana
de Educação, ocorrida na Bolívia. De lá para cá,
a proposta ganhou força e a Argentina já obteve êxito em uma
das suas negociações: o governo da Espanha anunciou, em janeiro
deste ano, a conversão de parte da dívida bilateral entre os dois
países, equivalente a 60 milhões de euros (cerca de R$180 milhões),
em investimentos educacionais.
No
caso brasileiro, o Comitê, recém lançado em Brasília,
que conta com a participação de 60 entidades da sociedade civil,
deverá identificar as modalidades viáveis de conversão da
dívida, ou seja, realizar estudos que tecnicamente viabilizem a proposta.
Um estudo feito pela Fundação Getulio Vargas, a pedido do MEC, é
o ponto de partida dos trabalhos do Comitê. O foco inicial será uma
negociação com os países do Clube de Paris (que representa
governos de alguns países credores) e pode se estender para outras duas
modalidades, os organismos multilaterais (como o Banco Mundial e o Fundo Monetário
Internacional) e as chamadas dívidas mobiliárias, com pequenos credores
e bancos.
O
ministro da educação Tarso Genro viajará para a Espanha na
próxima semana para tratar do assunto, quando serão apresentados
projetos para conversão da dívida de cerca de US$ 25 milhões.
A troca envolveria o investimento em programas de educação bilíngüe
(espanhol/português) nas escolas situadas nas fronteiras com países
de língua espanhola, além da construção de escolas
em assentamentos rurais. A meta é construir cerca de 800 escolas para garantir
a educação à cerca de 30 mil crianças de famílias
assentadas.