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Ciências sociais priorizam aids e contribuem para política nacional anti-Bush

A política conservadora do governo Bush para aids resultou no rompimento da parceria entre o Programa Nacional de DST/AIDS e a United States Agency for International Development (USAID), no dia 28 de abril. O principal motivo foi a restrição que a USAID apresentou ao financiamento de ONGs que atuam com prostituição no Brasil. "Não é possível combater a doença com princípios maniqueístas, teológicos, fundamentalistas e xiitas", justificou Pedro Chequer, diretor do Programa, para o The Wall Street Journal. A política restritiva da USAID é considerada por Chequer uma ameaça à autonomia brasileira nas decisões relativas às políticas para a aids. Para a socióloga Maria Teresa Citeli, professora do Departamento de Política Científica e Tecnológica (DPCT) da Unicamp, a decisão de Chequer é coerente e denota o esforço brasileiro na construção de uma política de prevenção à doença livre de preconceitos contra grupos populacionais como prostitutas, usuários de drogas e homens que fazem sexo com homens.

As ciências sociais, de acordo com Citeli, trouxeram contribuições substantivas para a construção de uma política brasileira para aids livre de "tabus e preconceitos construídos pelo obscurantismo de ordem religiosa, política e também de ordem científica e médica". O extenso levantamento realizado pela pesquisadora (A pesquisa sobre sexualidade e direitos sexuais no Brasil 1990-2002: revisão crítica), divulgado em março, produz um retrato das pesquisas em sexualidade e direitos sexuais feitas entre os anos de 1990 e 2002, e mostra como a epidemia mobilizou a comunidade acadêmica tornando-se prioridade de pesquisa no campo socioantropológico.

Entre os 354 trabalhos acadêmicos analisados no trabalho, 73 tomam a aids como foco central de investigação. Essa mobilização das ciências sociais em torno da aids, na opinião de Citeli, foi motivada pela urgência e agilidade exigidas pela epidemia, mas, sobretudo, pela proximidade dos pesquisadores e dos seus interesses de pesquisa com os movimentos sociais (feminista, homossexual e de portadores da doença) e com os programas de atendimento e prevenção do governo e de ONGs. A contribuição dos pesquisadores em ciências sociais nesse processo tem sido decisiva, na opinião da socióloga, e pode ser evidenciada pela "exuberância, criatividade e variedade" das pesquisas sócio-antropológicas sobre sexualidade produzidas no Brasil desde a década de 1970.

Para Citeli, os avanços e o vigor das pesquisas em sexualidade no Brasil devem-se ao movimento de difusão da obra de Foucault e da teoria da construção social (que desnaturalizou a idéia de sexualidade ressaltando a sua construção social), à difusão dos ideais igualitários modernos contidos nos discursos feminista e homossexual, à dissociação entre sexualidade e reprodução devido à disseminação da pílula anticoncepcional e, mais recentemente, ao advento da epidemia da aids.

Erotização, dimensão étnico-racial e política negligenciadas
Além da aids e DSTs, o levantamento feito por Citeli focalizou outras quatro áreas de pesquisa em sexualidade: identidade de gênero e orientação sexual (incluindo pesquisas sobre os movimentos sociais voltados à reivindicação de direitos); expressões da sexualidade (que reúne estudos sobre prazer, erotismo e prostituição); instâncias que influenciam ou regulam o exercício da sexualidade (focalizando a atuação das ciências, religiões e mídias) e estudos sobre direitos sexuais e reprodutivos.

No país de Gilberto Freyre, em que a sexualidade livre e prazerosa é considerada um dos elementos principais de nossa identidade, há uma escassez de estudos sobre erotismo e prazer, conclui Citeli. A crescente atenção dada à epidemia de aids pode ser uma das justificativas para esta ausência, mas o foco privilegiado nos jovens e na iniciação sexual denota uma influência da imagem que predomina em nossa cultura, em que se associa a maior atividade sexual à juventude.

Outro silêncio apontado pelo levantamento é localizado nas pesquisas sobre sexualidade na área da ciência política. A omissão dos cientistas políticos nas questões de gênero é mais perceptível no tocante à sexualidade e às identidades de gênero. Há também uma escassez de estudos que respondam ao desafio de incorporar a dimensão étnico-racial como parte das pesquisas sobre feminilidades e masculinidades, sobretudo no que concerne aos segmentos não-brancos. "Essa lacuna é ainda mais crucial se considerarmos que as 'marcas' de cor influem de forma diferenciada. Se a mulher branca é freqüentemente associada à passividade, a não-branca o é à exacerbação sexual, enquanto a sexualidade de homens negros recebeu conotações relativas à agressão animal e ao estupro de mulheres brancas", analisa Citeli.

A pesquisa sobre sexualidade e direitos sexuais no Brasil
O levantamento feito por Citeli foi promovido pelo Centro Latino Americano em Sexualidade e Direitos Humanos (Clam), que tem incentivado a realização de diagnósticos e mapeamentos com o objetivo de fazer um balanço do conhecimento disponível sobre sexualidade e identificar tendências e lacunas na área. O Centro é um projeto do Programa de Estudos e Pesquisas em Gênero, Sexualidade e Saúde, do Instituto de Medicina Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). A produção, organização e difusão de conhecimentos fazem parte de um conjunto de táticas adotadas pelo Clam para contribuir com a redução das desigualdades de gênero, e fortalecer a luta contra a discriminação das minorias sexuais na América Latina.
Atualizado em 13/05/05
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