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Terreiro é tombado em época de encolhimento
das religiões afro-brasileiras


No último dia 19 de abril, o ministro da Cultura, Gilberto Gil homologou a decisão do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) de tombar o terreiro Ilê Maroiá Láji, conhecido como a casa de Mãe Olga do Alaketu, em Salvador. Agora a Bahia possui cinco terreiros de candomblé tombados e reconhecidos como patrimônio histórico nacional: Casa Branca, Gantois, Bate-Folha, Axé Opô Afonjá e o Ilê Maroiá Láji. A restauração do terreiro será feita pela Escola Oficina de Salvador, da Faculdade de Arquitetura da Universidade Federal da Bahia (Ufba). Patrimônio das religiões afro-brasileiras que estão sendo ameaçadas pela queda no número de adeptos, o terreiro do Alaketu é um importante espaço de preservação da memória e da identidade afrodescendente.

Na solenidade de tombamento, Mãe Olga, aos 79 anos, revelou o nome de sua sucessora - sua filha mais velha, já que a sucessão segue a matrilinearidade."Mãe Olga acredita que o Alaketu durará para sempre. A idéia de eternidade está muito presente neste tombamento", lembra a cientista social Teresinha Bernardo da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (Puc-SP). Em sua tese de livre docência, defendida em 2002, a pesquisadora partiu da trajetória de luta pela sobrevivência e preservação da herança cultural africana de Olga de Alaketu. A mãe-de-santo representa a quinta geração da princesa Otampê Ojarô, sendo herdeira da família real Arô, da região de Ketu (África Ocidental), da qual foram trazidos os fundamentos dos terreiros baianos mais tradicionais. Segundo o que conta a história oral desses terreiros, no final do século XVIII, durante a expansão do Daomé sobre o Reino de Ketu, no reinado de Akibiohu, duas netas do rei foram seqüestradas e vendidas como escravas na Bahia. Uma delas era Otampê Ojarô que, depois de nove anos trabalhando como empregada doméstica, já livre, teria fundado o terreiro Alaketu em Salvador.

De acordo com Teresinha Bernardo, Mãe Olga sempre resistiu à idéia do tombamento de seu terreiro, temendo uma descaracterização que pudesse advir da excessiva frequência de turistas, a partir da movimentação que ela percebia nos outros terreiros que já haviam sido tombados em Salvador, muitos dos quais acordando as datas de suas festas religiosas com a Secretaria de Turismo da cidade. "Ela dizia que não queria tombar para que o terreiro dela não virasse o Pelourinho", referindo-se ao Centro Histórico de Salvador cujo projeto de revitalização despertou polêmicas na medida em que teria privilegiado o comércio e o turismo em detrimento da população local (leia reportagem na ComCiência). Para a cientista social, a impossibilidade de arcar com os recursos necessários para a reforma da casa e do barracão que constituem o terreiro fizeram com que Mãe Olga revisse a sua posição a respeito do tombamento, preocupada com a preservação e a continuidade do Ilê Maroiá Láji.

O candomblé no mercado religioso
As religiões afro-brasileiras (candomblé, umbanda e outras denominações) estão em declínio no mercado religioso. Essa é uma das constatações do sociólogo Reginaldo Prandi, da Universidade de Sâo Paulo (USP), em artigo publicado na revista Estudos Avançados, Dados do Censo de 2000 dão conta que apenas 0,3% dos brasileiros declararam-se pertencentes a uma das religiões afro-brasileiras, o que corresponde a pouco mais de 470 mil seguidores. Em 1980, os adeptos do candomblé e da umbanda correspondiam a 0,6% da população brasileira, e em 1991, a 0,4%.

Dentre as razões que explicariam esse declínio no número de seguidores do candomblé e da umbanda no Brasil, estaria a concorrência com as outras religiões, principalmente com as neopentescostais nas quais o ataque ao candomblé e à umbanda é, segundo Prandi, constitutivo da própria identidade dessas igrejas, fazendo da perseguição às crenças afro-brasileiras um ato de fé. É o que se pode observar nos programas e cultos veiculados pela Igreja Universal do Reino de Deus - detentora de uma concessão pública de um canal de televisão - nos quais a intolerância em relação às religiões afro-brasileiras é explícita. Na prática de expansão das igrejas evangélicas, o fechamento do maior número de terreiros de candomblé e umbanda existentes na região em que se instala um novo templo é, muitas vezes, uma das metas que o pastor tem que cumprir.

O sociólogo da USP ainda ressalta algumas características constitutivas da própria organização das religiões afro-brasileiras que desfavorecem a sua concorrência no mercado religioso: o candomblé e a umbanda se organizam a partir de pequenas comunidades, com cerca de 50 membros, que se congregam em torno de uma mãe ou pai-de-santo, acima dos quais não há nenhuma autoridade. Isso faz com que cada terreiro seja autônomo e auto-suficiente, o que tende a inviabilizar o estabelecimento de estratégias comuns entre os terreiros para lidarem com as outras religiões. Essas, por sua vez, em contraposição à esse perfil comunitário e familiar da umbanda e do candomblé, apresentam-se como religiões de massa, que dispõe de canais eletrônicos de comunicação e reúnem milhares de adeptos, seja nas missas celebradas pelos chamados "padres cantores" da Renovação Carismática católica, seja nos grandes templos evangélicos que funcionam 24 horas por dia.

"Fragmentada em pequenos grupos, fragilizada pela ausência de algum tipo de organização ampla, tendo que carregar o peso do preconceito racial que se transfere do negro para a cultura negra, a religião dos orixás tem poucas chances de se sair melhor na competição - desigual - com outras religiões. Silenciosamente, assistimos hoje a um verdadeiro massacre das religiões afro-brasileiras", afirma Prandi.

Atualizado em 09/05/05
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