Notícias da Semana

Notícias Anteriores

Eventos
Junho
Julho
Agosto

Setembro

Divulgue
seu evento


 

Museu relembra obra da escritora e
catadora de papel Carolina de Jesus


O Museu Afro-Brasil, no parque do Ibirapuera, em São Paulo, inaugurou a sua biblioteca e uma exposição, no último dia 13 de maio - data da abolição da escravidão no Brasil - prestando homenagem a uma mulher negra, mãe solteira de três filhos, migrante, catadora de papel que, há 45 anos, quando ainda vivia numa das primeiras favelas de São Paulo, teve a edição de 30 mil exemplares de seu primeiro livro esgotada em três dias. Trata-se da escritora Carolina Maria de Jesus, que em 1960 publicou a obra Quarto de Despejo. Apesar do sucesso editorial, a escritora continuou a exercer, até a sua morte, em 1977, a atividade de catadora nas ruas de São Paulo.

Além da biblioteca que recebe o nome da escritora, uma exposição sobre a obra de Carolina de Jesus ficará em cartaz até o dia 13 de junho, reunindo os manuscritos originais da sua primeira obra, as traduções feitas para outros idiomas, documentos do arquivo pessoal da escritora e uma réplica do barraco em que ela residia. A mostra traz ainda um conjunto de fotografias feitas pelo jornalista Audálio Dantas, que "descobriu" Carolina de Jesus e convenceu a editora Francisco Alves a publicar os diários. Na ocasião, Dantas escrevia uma matéria sobre a expansão da favela do Canindé, que foi desocupada para que fosse construída a Marginal Tietê, quando a escritora lhe mostrou, em seu barraco, uma coleção de cerca de 20 cadernos, recolhidos do lixo, nos quais ela registrava o seu cotidiano.

Quarto de Despejo faz uma referência ao modo como a escritora percebia a favela em oposição à cidade: "Quando estou na cidade tenho a impressão que estou na sala de visita com seus lustres de cristais, seus tapetes de viludo, almofadas de sitim. E quando estou na favela tenho a impressão que sou um objeto fora de uso, digno de estar num quarto de despejo". A obra foi traduzida em treze línguas e mais de quarenta países, vendendo cerca de um milhão de cópias em todo o mundo.

Os registros diários de Carolina de Jesus iniciaram-se em 15 de julho de 1955, sendo interrompidos em 28 de julho do mesmo ano e retomados apenas em 2 de maio de 1958. O livro se encerra com um registro feito no dia 1º de janeiro de 1960. Mas nem o formato de diário nem essa descontinuidade cronológica prejudicam a estrutura narrativa do livro, segundo o linguista Carlos Vogt, em artigo publicado na ComCiência. Para Vogt, a utilização da repetição como recurso estilístico fez com que a escritora mantivesse o fluxo narrativo, tornando também mais evidentes a fome e a pobreza, os temas principais de sua obra: "Os dias se repetem iguais na monotonia implacável de um dia de todos os dias: levantar cedo, ir buscar água na única torneira que serve a mais de cento e cinqüenta barracos iguais ao de Carolina, atender aos filhos, sair para a cidade em busca de papel, de lata, de ferro, sobrecarregar-se com o peso de seu transporte, vender a sucata recolhida nas ruas, comprar os alimentos que serão consumidos no mesmo dia e na proporção exata do pouco dinheiro obtido no trabalho de todo o dia", observa Vogt.

Sucesso e esquecimento
No dia do lançamento de seu livro no Brasil, Carolina de Jesus saiu para catar papel porque não tinha dinheiro para a comida dos filhos. Mesmo tendo conseguido mudar-se da favela e comprar uma "casa de alvenaria", a escritora continuou a exercer, até a sua morte, em 1977, a atividade de catadora. Mesmo com dificuldades, a escritora ainda publicou, no Brasil, os livros Casa de Alvenaria (1961), Provérbios (1963) e Pedaços da Fome (1963) e Diário de Bitita (publicação póstuma, 1982).

Para o historiador José Carlos Sebe Bom Meihy, os diários que fizeram Carolina Maria de Jesus ficar famosa no mundo inteiro, não representam nem de leve a essência da obra da escritora. Ele localizou com a família da escritora, durante a sua pesquisa para o livro Cinderela Negra: a saga de Carolina Maria de Jesus (escrito em parceria com o historiador norte-americano Robert Levine), uma caixa com trinta e sete cadernos que trazem poemas, contos, quatro romances e três peças de teatro. "Estamos em face de um caso único na história da cultura popular nacional, onde, na favela, uma autora semi-analfabetizada produziu uma obra que, segundo o impulso inicialmente dado, seria uma promessa de renovação de nossos critérios de definição cultural", afirma Bom Meihy, ao lamentar o esquecimento de uma escritora com uma importância singular na história brasileira.

Museu Afro-Brasil

Criado e dirigido pelo artista plástico Emanuel Araújo, o Museu Afro-Brasil foi inaugurado em outubro do ano passado com o objetivo de valorizar a herança africana e as contribuições da população negra para o país. Nesse sentido, o museu focaliza as questões da memória, da história e da arte e procura resgatar a trajetória de personalidades negras importantes, muitas vezes esquecidas, como é o caso de Carolina Maria de Jesus. A biblioteca e a exposição sobre a escritora foram inauguradas juntamente com o Anfiteatro Ruth de Souza - homenagem à atriz que, dentre muitos dos seus trabalhos, interpretou Carolina de Jesus no teatro, na década de 1970.

Para saber mais:
-Leia Entrevista com o criador do Museu Afro-Brasil Emanuel Araújo.

-Artigo de Carolina Maria de Jesus, na edição "Violência" da revista ComCiência.

-José Carlos Sebe Bom Meihy, "Carolina Maria de JesusL emblema do silêncio", revista USP. São Paulo, n. 37, 1998.

- MEIHY,José Carlos Sebe Bom e LEVINE, Robert M. Cinderela Negra. A Saga de Carolina Maria de Jesus, Rio de Janeiro, Editora da UFRJ, 1994.

Atualizado em 25/05/05
http://www.comciencia.br
contato@comciencia.br

© 2001
SBPC/Labjor

Brasil