Vacinas
contra o câncer cervical entram
em fase final de testes
Estão na terceira fase de testes clínicos duas vacinas
que têm como alvo o papiloma vírus humano (HPV),
que é transmitido sexualmente e causa câncer no colo
do útero. Uma foi desenvolvida pela empresa farmacêutica
GlaxoSmithKline Biologicals (GSK), baseada na Bélgica,
e protege contra os tipos 16 e 18, os mais comuns. A outra, da
norte-americana Merck, é quadrivalente, isto é,
protege contra quatro tipos; além do 16 e do 18, inclui
o 6 e o 11, que causam verrugas genitais - em homens e mulheres.
Ambas já passaram, com sucesso, pelos testes clínicos
de fase II, que envolveram ao todo mais de 3 mil participantes.
Os resultados foram significativos: as vacinas lograram tanto
prevenir completamente as infecções persistentes,
quanto reduzir em mais de 90% as anormalidades cervicais.
No
lugar do vírus atenuado, as duas vacinas têm como princípio
a proteína L1, que compõe o invólucro, a capa que recobre
o vírus, produzida por células de baculovírus (GSK) e leveduras
da espécie Saccharomyces cerevisae, as mesmas da fabricação
da cerveja (Merck). Já foram identificados mais de 100 genótipos
do HPV, dos quais somente 40 infectam o trato genital. A maioria deles é
neutralizada pela ação do sistema imune, mas há 15 tipos
que acarretam às mulheres um risco alto de desenvolver câncer cervical.
Os seis mais freqüentes respondem por 90% dos casos, sendo que os tipos 16
e 18, sozinhos, são responsáveis por cerca de 70%. Em 2002, quase
500 mil mulheres em todo o mundo desenvolveram câncer cervical, e 270 mil
morreram da doença segundo a Agência Internacional para Pesquisa
do Câncer (IARC).
Milhares
de pacientes estão tomando a vacina, por injeção
intramuscular, a fim de que dados confiáveis sejam obtidos
quanto a: eficácia, segurança, dosagem recomendada
e efeitos colaterais raros. A Merck, que deu antes a largada em
pesquisa e desenvolvimento da vacina, vai entrar com o pedido
de licenciamento do Gardasil na segunda metade deste ano. Os testes
clínicos de fase III da vacina da Merck começaram
em 2002 e envolvem mais de 25 mil participantes em todo o mundo,
inclusive no Brasil. "quinze por cento das pacientes são
brasileiras", conta o médico Ronaldo Costa, do Instituto
Brasileiro de Controle do Câncer (IBCC), um dos primeiros
centros médicos a participar dos testes clínicos
no país, juntamente com a Unicamp e Centro de Estudos em
Reprodução Humana de Curitiba.
De
acordo com os fabricantes, os efeitos colaterais observados até
agora são tênues. "Em nossos estudos mais recentes,
os únicos eventos adversos constatados foram dor de cabeça
- em nível sistêmico - e dor no local da injeção",
afirma Kelley Dougherty, diretora de relações públicas
da Merck Vacinas. Costa explica que pode haver, ainda, febrícula
(uma febre ligeira) nas primeiras 48 horas pós-injeção,
e que esses efeitos, em proporção menor, foram relatados
também pelo 'grupo-placebo'. "Nenhum dos indivíduos
que receberam a vacina em investigação abandonou
o estudo devido a uma experiência adversa", diz Dougherty.
A
vacina não tornará obsoletos os exames preventivos
realizados atualmente, como o de Papanicolaou, nem banirá
a necessidade de proteção contra a infecção
com preservativos durante o ato sexual. "As duas candidatas
a vacinas protegem contra os tipos de HPV que são responsáveis
por cerca de 70% dos casos de câncer cervical, mas de 20
a 30% dos casos de câncer são causados por outros
tipos", adverte Sonia Pagliusi, especialista em Imunização,
Vacinas e Produtos Biológicos da Organização
Mundial da Saúde. De acordo com ela, espera-se que a combinação
de vacinação preventiva com programas de diagnóstico
e tratamento seja a melhor estratégia de saúde pública,
o que já foi simulado num modelo matemático. "Além
disso, um programa de vacinação proporcionaria uma
redução na freqüência dos exames, é
provável que esses procedimentos preventivos combinados
tenham um custo compatível com os recursos destinados à
saúde", ressalta Pagliusi. "Acredito que o controle
seja um objetivo mais realístico que a eliminação",
diz John Schiller, do Instituto Nacional do Câncer dos Estados
Unidos.
Também
para homens
Mas as mulheres não constituem os únicos alvos da
vacina. "Para quebrar o ciclo da doença, é
preciso proceder à imunização dos dois sexos",
adverte Costa. "O impacto da vacina será mais rapidamente
percebido quando houver essa dupla imunização",
afirma. Os médicos, porém, ainda se perguntam e
investigam sobre a faixa etária que deve ser objeto da
imunização, qual a duração da imunização
proporcionada pela vacina e como garantir que ela atinja os indivíduos
e os países pobres, os mais necessitados.
Os
especialistas discutem também em que medida os homens vão se dispor
a tomar a vacina, quando ela estiver disponível. Não faltam argumentos.
"A prevalência [soma de casos novos e antigos] da infecção
por HPV em homens, na população em geral, é similar à
observada em mulheres, conforme relataram estudos da IARC", alerta Pagliusi.
A idéia de poupar as mulheres do risco de câncer tem encontrado boa
receptividade pelo mundo. "Num estudo coreano, homens mostraram uma atitude
positiva quanto a serem vacinados para proteger suas parceiras", conta Pagliusi.
No entanto, a pesquisadora afirma que estudos do tipo em diferentes camadas sócio-culturais
devem elucidar melhor a questão.
De
acordo com Pagliusi, o grupo-alvo e a faixa etária apropriada para receber
a vacina profilática de HPV contra o câncer de colo de útero
é provavelmente o de meninas que ainda não contraíram uma
infecção genital pelo vírus, portanto antes do início
da atividade sexual. No entanto, não é possível preconizar
uma idade globalmente válida. "Cada país deverá estabelecer
a idade na qual a vacinação é recomendada, uma vez que o
comportamento sexual e a idade do primeiro contato sexual varia com fatores sócio-demográficos",
afirma. Segundo Schiller, vacinar mulheres sexualmente ativas ajudaria aquelas
que ainda não têm infecção persistente pelos tipos
combatidos pelo Gardasil.