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Livro revela potencial do cinema para compreensão da velhice


O cinema tem trazido para as suas telas múltiplas imagens do tempo de envelhecer. Ora priorizando a dependência e o desamparo que atingem os mais velhos, ora abordando temas-tabus para a terceira idade, como o amor e o sexo, ou marcando a velhice como um momento de novos projetos e realizações, ou, ainda, acenando com as promessas da ciência e tecnologia para solucionar os problemas do envelhecimento. As imagens cinematográficas têm um enorme potencial para refletir sobre atitudes, valores e práticas sociais, devido a sua capacidade de criar maneiras de olhar o mundo, de interrogá-lo e de explorar temas complexos do nosso tempo. É o que mostra o livro Cinema, velhice e cultura: cinedebate, lançado em fevereiro deste ano, escrito por diversos professores e pesquisadores que transformaram o cinema em uma poderosa ferramenta em suas atividades de ensino e pesquisa.

Chuvas de Verão, 1978.

Para a organizadora da obra, a antropóloga Neusa Maria Mendes de Gusmão, da Faculdade de Educação da Unicamp, as experiências pedagógicas que um filme pode proporcionar estão relacionadas às múltiplas formas de olhar o mundo e experiências de cada um. "Ver filmes implica uma interação com o que eles mostram, com suas imagens, seus diálogos e com a interpretação possível que construímos como espectadores", diz. Fazendo uma aproximação do longa metragem Chuvas de Verão com o videodocumentário Umas Velhices, Gusmão ressalta a importância que têm esses filmes para se pensar "o que é envelhecer e, mesmo, o que se deseja como parte do envelhecer".

Umas Velhices traz para as telas uma visão multifacetada sobre o idoso e a velhice em diferentes épocas e tipos de sociedades, diferente da tragicomédia Parente é serpente, em que a velhice é marcada por um processo contínuo de perdas e dependência. No filme, um casal de velhos encontra na família a possibilidade de escapar do asilo. Durante uma comemoração de natal, anunciam que querem morar com um dos filhos, deixando-os decidir quem será o premiado. A partir daí, começa um autêntico jogo de empurra, já que ninguém quer arcar com a responsabilidade de ficar com os velhinhos.

Para Guita Grin Debert, professora de antropologia da Unicamp, essas imagens têm uma dupla função: por um lado, reafirmam estereótipos negativos da velhice; mas, por outro, são (e foram) fundamentais para a sensibilização da sociedade e a transformação dos idosos em atores políticos, com direitos sociais reconhecidos, como a aposentadoria, por exemplo.

Cocoon, 1985.

Em contraposição a essas imagens, Debert analisa filmes que tratam a velhice como um recomeço, em que os saberes acumulados dos mais velhos têm um papel fundamental. É em Cocoon que esse entusiasmo com a velhice ganha uma expressão bem caricatural. Um grupo de idosos descobre a fonte da juventude: uma piscina cheia de casulos de alienígenas que dá, a quem nela mergulha, os poderes da mocidade. A ficção, produzida em 1985, sugere para a pesquisadora uma correlação com as atuais promessas da ciência e tecnologia "de que é possível escapar de constrangimentos, dos estereótipos, das normas e dos padrões de comportamento baseados nas idades", diz Debert, mas adverte: "esse entusiamo é proporcional à precariedade dos mecanismos que dispomos para lidar com os problemas da idade avançada. Quando o rejuvenescimento se transforma em um novo mercado de consumo, não há lugar para a velhice".

No episódio A esperança é a última que morre, de Umas velhices, o ator Antonio Abujanra também comenta que atualmente a juventude vem de outras fontes: remédios, cápsulas, vacina, hábitos saudáveis e Viagra. Para Debert, o cinema tem mostrado um movimento de diluição das fronteiras entre as idades: a dimensão etária deixa de ser um marcador de comportamentos (exemplo de mães e filhas que vivem juntas fases como namoro, casamento e gravidez) e o surgimento de novas etapas intermediárias (a meia idade e a idade da loba).

A abordagem que o cinema tem feito desse movimento e da transformação da juventude em um bem, que poderia ser conquistado através do consumo e da adoção de formas de vida mais adequados, na opinião de Debert, não envolve necessariamente uma atitude mais tolerante com o corpo envelhecido ou uma democratização das relações humanas. Ao contrário, leva a responsabilização, cada vez maior, dos indivíduos pelo envelhecimento. "São os indivíduos que negligenciaram seus corpos e que não foram capazes de se envolver em atividades e relacionamentos motivadores. A suposição de que boa aparência é igual a bem estar está em consonância com a idéia de que o romance pode ser vivido em qualquer idade", ressalta.

Leia Mais:

-As imagens da velhice no cinema

-O Idoso na Mídia, de Guita Grin Debert

-Edição ComCiência sobre Velhice:

Ficha técnica dos filmes:

Chuvas de verão (Brasil, 1978) dirigido por Carlos Diegues, com :Jofre Soares, Miriam Pires, Daniel Filho, Marieta Severo, Paulo Cesar Pereio, Jorge Coutinho, Rodolfo Arena, Roberto Bonfim, Sady Cabral, Lourdes Mayer, Carlos Gregório, Gracinda FreireCristina Aché.

Parente é serpente (Itália, 1993), dirigido por Mario Monicelli, com Tommaso Bianco, Renato Cecchetto, Marina Canfalone, Cinzia Leone, Eugenio Masciari e Paolo Panelli no elenco.

Cocoon (EUA, 1985), dirigido por Ron Howard, com Don Ameche, Wilford Brimley, Hume Cronyn, Brian Dennehy, Jack Gilford, Steve Guttemberg, Maureen Stapleton, Jessica Tandy, Gwen Verdon, Herta Ware, Tahnee Welch, Barret Oliver, Linda Harrison.

Umas velhices (Brasil, 2003)

Atualizado em 01/04/05
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