Gestão
sustentável de florestas
públicas pode virar lei
Está em debate na Câmara dos Deputados o Projeto
de Lei (PL)4776/05 que regulamenta o uso sustentável das florestas
públicas brasileiras e visa reformular o Código Florestal, de 1965.
O ponto mais polêmico é a definição de critérios
para a gestão sustentável de florestas públicas federais,
estaduais e municipais. O Projeto também visa a criação do
Serviço Florestal Brasileiro (SFB) e do Fundo Nacional de Desenvolvimento
Florestal (FNDF). O governo retirou na semana passada o pedido de urgência
do Projeto de Lei, pois o prazo para votação estava se esgotando.
De
acordo com o Presidente da Comissão Especial que trata do PL 4776, deputado
Miguel de Souza (PL-RO), estão previstas três formas de gestão
das florestas públicas para a produção sustentável:
a criação de unidades de conservação (o que permitirá
a produção florestal sustentável), a concessão para
usos comunitários (assentamentos florestais, reservas extrativistas e áreas
de quilombolas) e a concessão paga, baseada em processos de licitação.
"Esses recursos vão trazer benefícios para a sociedade, ou
seja, os povos da floresta terão as suas prioridades", acredita o
deputado. Segundo consta no PL, o FNDF será voltado para o desenvolvimento
tecnológico, promoção da assistência técnica
e incentivos para o desenvolvimento florestal sustentável. A receita oriunda
do processo de concessão deverá constituir os recursos do Fundo,
divididos em: Estados (30%). Municípios (30%) e Fundo Nacional de Desenvolvimento
Florestal (40%).
Mas
o Projeto de Lei não agrada a todos. Alguns políticos, intelectuais,
pesquisadores e representantes acadêmicos estão liderando um movimento
de repulsa, ressaltando que algumas experiências em alguns países
da África Equatorial, do Sudeste Asiático e, mais recentemente,
na Austrália, constituíram um desastre ecológico sem precedentes,
inclusive com perdas irreparáveis na biodiversidade. Conforme afirma Aziz
Ab`Saber, professor emérito de Geografia da USP, em matéria veiculada
na EcoAgência Solidária de Notícias Ambientais, "a perda
de controle na gerência e fiscalização das atividades é
suficiente para mostrar a gravidade do processo que o governo federal está
propondo ao Brasil, à Amazônia e ao próprio planeta, pelo
conjunto das inquestionáveis repercussões". Ponto de vista
esse longe de convergir com o do Presidente da Comissão Especial do PL.
Souza afirma que a região amazônica está correndo riscos.
"Hoje as florestas estão sendo depredadas clandestinamente e não
está ficando nada para o país" e continua "a privatização
da floresta hoje que se dá, pois as pessoas invadem, grilam a terra e a
União fica sem o controle. As pessoas podem explorar sem controle a biodiversidade,
a fauna e a flora", finaliza.
Diferentemente
de outras formas de gestão dos recursos naturais do Brasil, as florestas
hoje estão desprotegidas. A Agência Nacional das Águas (ANA)
delibera sobre a gestão dos recursos hídricos, a gerência
sobre as explorações minerais fica a cargo do Departamento Nacional
de Produção Mineral (DNPM) e a exploração petrolífera
a cargo da Agência Nacional do Petróleo (ANP). Nesse sistema, as
florestas ficam sem uma forma eficaz de gestão que regulamente seu suo
sustentável. O Deputado Souza lembra que a gestão prevista no Projeto
de Lei é apenas sobre o uso das florestas e nada tem a ver com o uso do
subsolo, portanto apenas de extração e manejo vegetal.
Manifesto
à Nação
Devido a insatisfação gerada com o PL e a ameaça
à soberania do país, apontada por alguns especialistas,
algumas instituições e pesquisadores elaboraram
um documento A
Questão Florestal Brasileira: Manifesto à Nação,
que está circulando pela Internet e adquirindo adesões.
A principal preocupação dos assinantes do Manifesto
se refere ao fato de entregar parcela considerável do território
amazônico em mãos de multinacionais estrangeiras.
Conforme destaca o documento "introduz-se um conjunto de
mecanismos e favorecimentos que só tendem a beneficiar
as grandes corporações, entre nacionais e estrangeiras,
do tipo madeireiras asiáticas e européias, reconhecidamente
as maiores promotoras dos desmatamentos e exportações
de madeiras em nível mundial".
Para
o professor Bautista Vidal, Físico do Instituto do Sol, isso caracteriza
entrega de território, ou seja, um crime de lesa pátria. "Se
você ceder um território por 60 anos, você acaba cedendo definitivamente
a um controle externo", afirma. Os prazos das concessões podem variar
de 5 a 60 anos e serão definidos de acordo com o ciclo de produção
sustentável florestal que depende de vários fatores, entre eles,
a taxa de recuperação e crescimento da floresta.
Ele
conta que em maio de 2004 participou do II Fórum Energético Mundial,
em Bonn (Alemanha) e a comunidade científica internacional reconheceu que
a Amazônia é hoje absolutamente fundamental para a questão
energética mundial. "O mundo está entrando em guerra por causa
da questão energética, o petróleo está acabando e
o carvão mineral está se reduzindo drasticamente, sendo que a única
solução são os trópicos úmidos. Aí precisamente
nesse momento surge esse Projeto de Lei", questiona. Para ele a Amazônia
é um depositário de riquezas enorme e ceder território às
empresas estrangeiras é uma afronta à soberania. "O Brasil
tem a possibilidade de ser a maior potência de biocombustível do
mundo, pelo dendê [extraído a partir da Palma] e outros óleos
vegetais. Só o que se pode obter de biodíesel na Amazônia
da para produzir oito milhões de barris por dia de biodíesel, que
é a produção da Arábia Saudita", afirma Vidal.
Apesar
de ter sido retirado o caráter de urgência do PL, a Câmara
deve colocar nesta semana reurgência urgentíssima constitucional,
ou seja, apertar mais o cerco e impedir o debate sobre a questão.