Cabo
de guerra com a indústria do fumo
Há
mais de três anos deu-se o início à campanha
antitabagista estampada nos maços de cigarro, inspirado
no pioneiro Canadá. Antes disso, em 1999, a Agência
Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) passou
a ser responsável pela supervisão da indústria
do fumo, que ficou proibida de divulgar termos que insinuam um
malefício menor, como os tipos light, suave, e contendo
baixos teores de alcatrão/nicotina. Nos principais pontos
de venda de cigarro do país, no entanto, é fácil
observar que essa poderosa indústria continua encontrando
meios de atrair novos fumantes e de burlar a Lei
10.167 de 2000. Hoje (11) começa em Brasília
o Fórum internacional O Brasil e o tratado internacional
de controle do tabagismo: Vulnerabilidades e Soluções,
na Câmara dos Deputados, que pretende discutir a Convenção-Quadro
- tratado internacional proposto pela Organização
Mundial de Saúde para o controle do tabaco - e os aspectos
econômicos relacionados à produção
e consumo do tabaco.
Surgiram os chamados blends de cigarros, ou novos sabores
e aromas, com a função de atrair, de forma eficiente
a atenção do consumidor. É possível
encontrar maços de cappucchino, creme e menta, sugerindo
que o produto deve ser degustado como um item alimentício.
Luminosas e modernas propagandas anunciam que o cigarro tem filtro
de carvão aditivado, incitando uma conclusão que
parte das cerca de 4,6 mil substâncias tóxicas contidas
no produto possam ficar contidas no filtro e não adentrar
os pulmões dos fumantes. Outras ainda passaram a presentear
seus consumidores com cigarrilhas charmosas, que descartam a presença
das desagradáveis fotos presentes nos maços.
Apesar
da insistência da indústria do fumo, o Brasil tem
avançado bastante na discussão anti-tabagista. Segundo
Tânia Cavalcante, médica e chefe da divisão
de controle do tabagismo e outros fatores de risco do Instituto
Nacional do Câncer, afirma que muito tem se avançado
no sentido de reduzir os danos provocados pelo cigarro. Hoje,
já se controla os níveis de alcatrão e nicotina
que devem estar dentro da média mundialmente aceita. As
propagandas de cigarro estão proibidas nos jornais, revista
e televisão, mas quando aparecem nas corridas de Fórmula
I anunciam que "Fumar causa câncer de pulmão"
(entre outros prejuízos à saúde), mais enfático
do que o ameno "Fumar pode causar câncer de pulmão".
Esse avanço se deu a partir de 1999, quando as mensagens
de advertência deixaram de ser um acordo voluntário
entre o governo e a indústria do fumo, para virar lei (10.167/00)
que não só a obriga, mas regulamenta seus padrões.
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Imagens
de advertência sobre o consumo de cigarro,
tiradas de fumantes. Fonte:
Ministério da Saúde
As
campanhas atrás dos maços de cigarro, hoje obrigatórias,
têm o objetivo de informar o fumante dos malefícios
do produto e de alguma forma impactar as pessoas. "Essa espécie
de choque é nosso objetivo para que as pessoas pensem e
saiam da automaticidade", diz Cavalcante, que acredita que
a propaganda muda a rotina do ato automático de pegar um
cigarro no maço e acendê-lo. Quem já viu as
imagens do pulmão negro, da delicada criança prematura
intubada, do coração enfartado ou da perna com gangrena,
sabe que elas pelo menos informam os riscos do consumo do cigarro,
se não convencerem ninguém a largá-lo. Além
das imagens, todas tiradas de fumantes brasileiros, os maços
de cigarro informam também o número do Disque Pare
de Fumar (0800-7037033), que passou a receber 300% mais ligações
desde então.
Atualmente
o Brasil perde cerca de 200 mil pessoas, que de acordo com a médica
do Instituto do Câncer de São Paulo, correm 22 vezes
mais riscos de contrair câncer apenas de pulmão do
que os não-fumantes. "É indemissível
que se continue fazendo propaganda de algo que só traz
prejuízos", lamenta Cavalcanti.
Uma
das formas de brecar o consumo do fumo no mundo é a Convenção-Quadro,
adotada em consenso a partir de maio de 2003 pela Organização
Mundial de Saúde, e assinada por 168 nações.
Para entrar em vigor, era preciso que a Convenção
fosse ratificada por 40 países, número que já
chegou a 58, entre os quais estão alguns dos grandes produtores
de fumo como Índia e Turquia, e de cigarro, como Alemanha
e Reino Unido. Embora a Convenção tenha sido liderada
pelo Brasil (segundo signatário), o país ainda não
ratificou o acordo e os ativistas engajados na campanha antitabagista
correm contra o tempo para que o país consiga participar
da primeira Reunião das Partes, que reunirá em fevereiro
de 2006, pela primeira vez, as nações que ratificaram,
para que a Convenção seja implementada.
O Brasil, segundo maior produtor de tabaco do mundo, aprovou o
texto para ratificação na Câmara dos Deputados
em agosto de 2003, mas ainda precisa ser aprovado no Senado até
maio próximo, se quiser implementar o acordo no ano que
vem. "A indústria do tabaco começou a fazer
grandes lobbies para mostrar qual seria o impacto da Convenção
na economia brasileira, divulgando informações distorcidas",
denuncia Tânia Cavalcanti, que também é Secretária
Executiva da Comissão Nacional para Implementação
da Convenção-Quadro. Entre essas não-verdades
está o fato de que o acordo prejudicaria o agricultor de
tabaco, causando desemprego, alto impacto social na maior região
de cultivo do país (Rio Grande do Sul) e declínio
nas arrecadações. No entanto, Cavalcanti afirma
que uma das estratégias da Convenção é
oferecer aos fumicultores uma alternativa econômica viável
para, justamente, evitar esses impactos. "A Convenção
é uma proteção, não uma ameaça",
enfatiza. As Verdades
e Mentiras sobre a Convenção-Quatro foram publicadas
pelo Instituo Nacional do Câncer e está disponível
na Internet.
Ação judicial
Mário Albanese, presidente da Associação
de Defesa da Saúde dos Fumantes (Adesf)
iniciou, há quase dez anos, um processo contra a indústria
do fumo pedindo a inversão do ônus da obrigação
de provar que o fumo causa prejuízos à saúde.
Isso equivale dizer que agora é a indústria que
deve provar que o cigarro não causa danos à saúde.
Duas ações já foram ganhas em primeira instância,
mas Albanese aguarda definição final da justiça,
o que poderá ocorrer nos próximos anos. O objetivo
é indenizar os fumantes que entraram e entrarem na ação
por danos morais (início no vício) e materiais (gastos
com saúde). O primeiro equivale a R$ 1 mil por cada ano
de fumo para cada fumante que possa comprovar o vício,
enquanto o segundo, mais difícil de ser dimensionado, deverá
ser indenizatório ao sistema de saúde pública.
"Somos reconhecidos como ação pública
municipal", informa o advogado Albanese, "falta agora
o reconhecimento estadual e federal, pois somos representantes
de toda população de fumantes e ex-fumantes do país".