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Etnografia analisa cotidiano de comunidade
em área de proteção ambiental


A discussão de medidas de proteção ao meio-ambiente, na maioria das vezes, restringe-se a aspectos políticos, técnicos e burocráticos. O dia a dia daqueles que moram há anos dentro de uma área definida como "Parque Nacional", por exemplo, é freqüentemente desconsiderado, supostamente em prol de discussões de caráter mais abrangente. Tal situação compromete a viabilidade de tais políticas, que acabam tendo que ser revistas caso não queiram ser reduzidas a uma legislação apenas "para inglês ver".

Essa foi uma das constatações mais gerais da dissertação de mestrado da pesquisadora Ana Beatriz Vianna Mendes, defendida em março na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Atualmente doutoranda do Núcleo de Pesquisas em Meio-Ambiente (Nepam) da Unicamp, Mendes realizou uma etnografia, uma das modalidades de estudo da antropologia que busca compreender como uma comunidade vive, trabalha e se relaciona com ambiente onde está inserida. O caso escolhido foi a comunidade de Tapiira, situada a aproximadamente 500 quilômetros de Manaus (AM), em uma das regiões fronteiriças do Parque Nacional do Jaú.

O Parque é uma área classificada, pela legislação brasileira, como "Unidade de Proteção Integral", ou seja, não admite a presença humana. Criado em 1980, ele é o segundo maior parque nacional do Brasil e o segundo maior em florestas tropicais úmidas. O fato da região ser considerada "Parque Nacional", no entanto, não faz uma diferença significativa para as comunidades situadas em seu interior: "Constatei, logo de início, que as pessoas viviam e faziam o que queriam na região, com exceção da caça e exploração de recursos madereiros", afirma Mendes. Segundo a pesquisadora, existem apenas dois funcionários do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama) para fiscalizar toda a área do Parque, de 2.272.000 ha, o equivalente ao estado de Sergipe.

Conhecimento tradicional
Durante seu trabalho de campo, Mendes ficou aproximadamente três meses na comunidade de Tapiira para acompanhar o cotidiano da população local e compreender como os moradores vivem e concebem o espaço por eles partilhado. Neste processo, a antropóloga estudou os hábitos e a cultural local, como o cultivo da mandioca, segunda ela, "bastante reveladores de uma ciência dos tempos e processos pelos quais a mandioca passa até constituir a farinha e seus derivados". A antropóloga também analisou a relação dos moradores com a pesca e caça, do conhecimento que ela pressupõe, envolvendo diversas técnicas, a classificação do peixe, as épocas do ano que são melhores para captura de um ou outro tipo de peixe, entre outros aspectos.

Mendes acompanhou as estratégias de resolução de problemas da comunidade diante de situações concretas. Um dos episódios mais marcantes foi a realização de um "acordo de pesca", envolvendo os ribeirinhos,pescadores comerciais, pescadores esportivos, o Ibama e as autoridades de alguns municípios da região. A necessidade do acordo foi motivada pela escassez de pescado no rio Unini, causada pelos chamados "geleiros" ou "geladores", barcos que pescam com rede de arraste e bombas, atividade predatória e proibida por lei, geralmente realizada por pessoas de fora do Parque.

A alternativa encontrada para minimizar o problema foi instalar um posto de fiscalização, sob responsabilidade do Ibama e em colaboração com a Associação de Moradores do Rio Unini, com a função de limitar a pesca e o número de barcos "geleiros" que adentram o rio na época da temporada - sendo que 50% dos pescadores destes barcos devem ser, segundo o acordo, provindos das comunidades que vivem no Parque. A pesquisadora notou, nesse caso, que a atribuição de fiscalização, que era do Ibama, acabou sendo efetivada pela associação dos moradores das comunidades do rio Unini, devido a incapacidade do órgão em fiscalizar uma área do porte do Parque Nacional do Jaú.

A polêmica envolvendo a estratégia do poder público em lidar com a situação também se revela em esferas mais elevadas de decisão. A demarcação de áreas como essa e a respectiva classificação como "Unidade de Proteção Integral" implica na necessidade de remoção de comunidades ribeirinhas que vivem dispersas em seu interior para outro local fora dos limites do Parque. Segundo Mendes, mesmo que houvesse o fornecimento de uma infra-estrutura adequada, o resultado pode ser muito prejudicial ao meio-ambiente: "remover um contingente populacional disperso para uma determinada região implica em desmatar novas áreas fora do parque, criar um novo núcleo populacional com maior densidade demográfica, entre outros impactos ambientais", afirma.

O equacionamento de uma possível solução do problema é complexo, mas passa, segundo a pesquisadora, por dois pontos básicos: uma melhor estruturação de órgãos como o Ibama, que permitam uma maior fiscalização e punição dos crimes ambientais, além da adequação das políticas à realidade de cada um dos parques, pois a remoção das pessoas que vivem em seu interior geralmente não é a melhor e nem mais viável alternativa.


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Atualizado em 25/04/05
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