Conflito de interesses no Piauí resulta em ameaças à equipe
arqueológica
No sertão do Piauí está a maior concentração
de pinturas rupestres do mundo, boa parte delas no Parque Nacional da Serra da
Capivara. Administrado pela Fundação Museu do Homem Americano (Fumdham),
o parque foi construído em 1979 e concentra cerca de 700 sítios
arqueológicos, dos quais 590 têm pinturas rupestres. Atualmente,
o Parque da Serra da Capivara enfrenta uma de suas piores crises desde que foi
fundado: além das dificuldades financeiras, que comprometem a manutenção
básica do parque, parte da equipe que trabalha na região está
sendo ameaçada de morte desde o começo de março. Entre aqueles
sob ameaça está a arqueóloga Niède Guidon, fundadora
do parque, pesquisadora dos sítios da área há 30 anos e presidente
da Fumdham. De acordo com a assessoria da Fundação, as ameaças
podem ter vindo tanto de conflitos de terra com a população local,
quanto de disputas políticas.
De acordo com Guidon, a idéia
inicial do parque era construir uma série de projetos sociais para atender
a população, o que acabou não aconteceu por falta de recursos.
"Tivemos que fechar algumas escolas construídas na região do
parque porque não tínhamos como mantê-las", exemplifica.
Atualmente, o parque tem sofrido constantes ataques ao patrimônio, que se
intensificaram neste ano. A arqueóloga conta que além de roubos
de peças e destruição de pinturas rupestres (muitas vezes
irreversíveis), há ainda uma constante ameaça à flora
e fauna da região, principalmente devido à caça promovida
pelas comunidades locais, considerada ilícita. Mas a caça para quem
vive no sertão do Piauí pode ser um meio de sobrevivência
já que na região, riqueza e pobreza convivem proximamente. Ao lado
de São Raimundo Nonato, que concentra boa parte da riqueza arqueológica
da região, está a cidade de Guaribas, considerada a mais pobre do
país, onde o presidente Lula lançou o programa Fome Zero em 2003.
O problema com as invasões no local agravou-se no ano passado,
quando o Incra anunciou que faria um assentamento na região. Desde então,
estima-se que mais de mil famílias se inscreveram para serem assentadas,
além de outras 200 que moram na vizinhança do Parque.Em fevereiro,
Niède Guidon reuniu-se com representantes da Procuradoria do Meio Ambiente
do Piauí e da Procuradoria da República, que determinaram a retirada
das famílias que ocupam a área do entorno do Parque Nacional da
Serra da Capivara.
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Pintura
Rupestre Créditos: Arquivo Fundham | Panorâmica
do Parque Serra da Capivara. Créditos: Arquivo Fundham |
Conflito
de terras
O conflito de interesses nas redondezas do parque vai além
das Comunidades locais. De acordo com a assessoria da Fundham, existem grandes
projetos econômicos na região, como o plantio de mamona para a produção
do biodiesel, que se interessariam pela manutenção dos assentamentos
rurais na região para fornecimento de mão-de-obra. Conforme informações
publicadas
no Jornal da Ciência, a Fumdham é contra a localização
dos assentamentos porque eles estão localizados em área de acesso
da fauna entre os Parques Nacionais da Serra da Capivara e o da Serra das Confusões.
Além disso, o fato de jazidas de níquel terem sido descobertas na
região chamaria a atenção de várias empresas de grande
porte dedicadas à sua exploração.
Para
o grupo coordenado por Guidon, a solução que promoveria o desenvolvimento
econômico e social da região seria o estímulo do turismo justamente
com as atividades do parque. Atualmente, as duas estradas federais que dão
acesso ao parque, de Teresina e de Petrolina para São Raimundo Nonato,
estão com problemas de tráfego por causa de buracos. Para as vias,
não há previsão de obras, mas o aeroporto internacional está
sendo construído pelo governo do Piauí desde 1996. "O povo
de São Raimundo Nonato e região não tem condição,
mas deveria perceber, que a tábua de salvação chama-se aeroporto
internacional", enfatiza a assessoria. A previsão é que ele
fique pronto ainda neste ano.
De acordo com um levantamento feito por
especialistas suíços e italianos, o Serra da Capivara pode receber,
por ano, cerca de três milhões de visitantes, caso haja investimento
em infra-estrutura. Atualmente, o parque recebe uma média de apenas 15
mil turistas ao ano. "Investimentos iniciais em infra-estrutura já
conseguiriam atrair um fluxo considerável de turista à região
e promover o aquecimento da economia local", diz.
Um dos agravantes
da situação da Fundação Museu Homem do Homem Americano
é o orçamento flutuante, vindo do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente
(Ibama). No ano passado, uma crise financeira levou a Fundação a
buscar parcerias com a Petrobras, Correios e Ministério da Cultura com
R$ 1 milhão e recorrer ao trabalho voluntário de funcionários
que foram demitidos. No final de 2003, o governo liberou R$ 50 mil para o parque,
sendo que seriam necessários, segundo estimativas, mais de R$ 200 mil por
mês para a sua manutenção. E em 2001, a falta de verbas levou
a instituição a interromper parte dos seus projetos sociais, que
incluíam postos de saúde para a população local, escolas
para crianças e aulas de artesanato para os adultos. Para este ano, o orçamento
ainda está em negociação, mas a presidente da Fumdham acredita
que o ideal seria obter um orçamento fixo para o Parque.
O ano
de 2005 começou turbulento no que se refere aos conflitos de terras brasileiras.
No início de fevereiro, a missionária norte-americana Dorothy Stang
foi assassinada na Amazônia, onde lutou por mais de 25 anos para a manutenção
da floresta. Pouco depois, ainda em fevereiro, o ambientalista Dionísio
Júlio Ribeiro Filho também foi assassinado, desta vez no Rio de
Janeiro.
Exposição
mostra riqueza arqueológica da região A riqueza arqueológica
da região do Parque da Serra da Capivara e de outras regiões do
Brasil - como os sambaquis do litoral e as cerâmicas marajoara da Amazônia
- pode ser conferida na exposição Antes - Histórias da
Pré-História em cartaz no Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB)
de Brasília, até o dia 10 de abril. A exposição reúne
peças, fotos e vídeos que contribuem para a compreensão da
importância da preservação dos sítios arqueológicos
e do trabalho arqueológico. Também estão presentes algumas
peças de países como Peru, Espanha, Romênia, Polônia,
Alemanha, Hungria, Austrália, entre outros. A previsão é
que a exposição siga em julho para o CCBB de São Paulo, onde
deverá ficar até setembro. |
Leia
mais:
-
Artigo
da Niède Guidon na ComCiência Arqueologia da região do
Parque Nacional Serra da Capivara - Sudeste do Piauí
- Brasil
é rico em sítios arqueológicos, mas poucos sabem disso
-Monção
de apoio a Fundham