Resíduos sólidos estão entre os
problemas emergenciais dos futuros
prefeitos
Depois do
lixo de campanha varrido das ruas dos 5.561
municípios brasileiros, os novos prefeitos
eleitos, que assumiram suas funções no
dia primeiro de janeiro, deverão conviver com
um volume diário de resíduos sólidos
urbanos equivalente a 228 mil toneladas, segundo
dados da Pesquisa Nacional de Saneamento
Básico (PNSB-2000). Desse total, cerca de 63%
não têm aproveitamento e se acumulam a
céu aberto nos lixões que poluem solo,
água e ar, além de apresentarem alto
risco de explosão devido ao gás metano
produzido pelos resíduos. Outros 5% do lixo
não têm destino conhecido. Apenas 32% do
volume nacional são encaminhados a aterros
sanitários adequados, com vida útil de
apenas 5 a 8 anos, de acordo com Izabel Zaneti,
pesquisadora associada do Centro de Desenvolvimento
Sustentável da Universidade de Brasília
(UnB).
Zaneti
acredita que a solução para o lixo
só será possível quando os agentes
sociais estiverem incluídos na
resolução: o poder público, a
população, os catadores de lixo e as
empresas recicladoras. Em um estudo realizado em
2003 sobre a gestão de resíduos
sólidos urbanos em Porto Alegre, onde 74% da
população faz coleta seletiva, a pedagoga
revelou que, além da integração dos
agentes sociais, é fundamental a
ação de uma política permanente, que
não seja mudada a cada gestão.
A partir
das entrevistas realizadas ao longo de dois anos em
Porto Alegre, a educadora levantou o histórico
e os resultados da política permanente para
resíduos sólidos, que se manteve
inalterada por 16 anos. Entre as
resoluções encontradas, houve o plantio
de vegetação e
impermeabilização do solo e a
construção de um novo aterro
sanitário (que se esgotou em 2002).
Paralelamente, iniciou-se uma campanha
publicitária sobre a importância da
gestão do lixo e de sua reciclagem, junto a
ações educativas nas escolas, com a
criação de uma cartilha, que substituiu a
palavra lixo por resíduos. O
objetivo era conscientizar a população
sobre a reciclagem e o trabalho dos catadores de
lixo. Também foi criado o Código de
Limpeza Urbana (número 234), com multas para
quem não acondiciona ou não separa os
resíduos.
"Quando a
população percebe que há uma
gestão, ela responde muito bem, mas para que
haja uma mudança cultural, o primeiro fator
é a educação", afirma Zaneti. As
mais de 400 entrevistas revelaram que, embora a
multa tenha gerado polêmica, foi adotada pela
população para evitar o prejuízo.
Após quatro gestões municipais que
mantiveram a política de resíduos
urbanos, 74% dos quase 1,4 milhão de
habitantes de Porto Alegre fazem coleta seletiva e
o volume de lixo foi reduzido em 4,3% (cerca de 40
a 50 toneladas diárias). A cidade possui um
aterro sanitário para rejeitos
(plásticos, metais e todo lixo seco), outro
para compostagem (lixo orgânico, que se
transforma em adubo para vegetação
pública) e um aterro para inertes (onde parte
do lixo de construção é utilizado
para produção de asfalto). Além da
coleta diária comum, existe coleta seletiva
semanal. O poder público também investiu
na estrutura para o trabalho dos catadores. "Muitas
pessoas até lavam seus resíduos para
facilitar o trabalho dos catadores", diz a
pedagoga, que acredita ser possível adaptar
essa forma de política, inspirada em modelos
europeus, para outros municípios
brasileiros.
Lucro pelo bueiro
O economista Sabetai Calderoni, autor do livro Os
Bilhões Perdidos no Lixo (Ed. Humanitas, USP,
1997), defende uma gestão integrada que inclua
também os poderes estadual e federal,
além do municipal. Segundo seus cálculos,
o Brasil deixa de arrecadar bilhões de reais
por desperdiçar mais de 60% do seu lixo. Ele
calcula que a coleta seletiva poderia render aos
municípios até R$ 135 por tonelada,
além de representar redução nos
gastos da prefeitura. Mais da metade do lixo
poderia ser reaproveitada, gerando dinheiro e
reduzindo o volume. Em uma cidade como São
Paulo, onde está a maioria dos catadores do
país e onde são produzidos 15 mil
toneladas diárias de resíduos levados a
dois aterros - das quais apenas 4 toneladas
são recicladas (menos de 0,5%) -, estima-se
que cada pessoa produza um quilo diário de
lixo (metade do que um norte-americano produz).
"Onde há gente, há lixo; onde há
riqueza, há lixo rico; onde há
miséria, há gente recolhendo o lixo da
opulência e do consumismo", afirma Marcel
Bursztyn, Diretor do Centro de Desenvolvimento
Sustentável da Universidade de Brasília
(CDS-UnB). Ele estima que a cada dia cresce o
número de catadores que já representam 1%
da população economicamente ativa do
Brasil, ou seja, mais de um milhão de pessoas,
que otimizam os esforços a favor da
reciclagem.
De acordo
com dados da Associação Brasileira de
Embalagens, mesmo quando comparado a
países desenvolvidos, o Brasil apresenta
elevados índices de reciclagem. Em 2003, foram
recicladas 45% das embalagens de vidro, 77% das de
papelão ondulado, 47% de aço, 89% das
latas de alumínio e 21% de plásticos
rígidos e filmes. "O país desenvolveu
métodos próprios para incrementar essa
atividade e o maior engajamento da
população pode contribuir ainda mais,
para o aumento do índice de embalagens
reaproveitadas", informa a
Associação.
Em 2002, a prefeita Marta Suplicy criou a taxa do
lixo em São Paulo para custear a coleta, com o
intuito de reduzir o volume de lixo produzido. A
medida causou reação contra o pagamento
do imposto e também gerou críticas dos
catadores por provocar a redução no
material coletado - condomínios que antes
doavam lixo passaram a vendê-lo às
empresas de reciclagem. A taxa é cobrada como
imposto, diferente das multas em Porto Alegre que
são aplicadas apenas aos que descumprirem o
Código de Limpeza, como na Europa. Em 2003, a
prefeitura paulistana também inaugurou um
centro de triagem que fornece o espaço, os
caminhões, as prensas, e as balanças, mas
a iniciativa não atende toda demanda de lixo e
de catadores da cidade. A capital paulista tem hoje
cerca de 5 mil catadores autônomos, dos quais
1,2 mil estão organizados em 70 grupos e duas
cooperativas.
Em cidades menores, como Juiz de Fora (MG), com
cerca de 600 mil habitantes, a gestão do lixo
apresenta resultados como a redução no
volume de lixo levado ao aterro. A
Associação dos Catadores de Papel e
Resíduos Sólidos de Juiz de Fora
(Apares), fundada pela prefeitura, possui área
para separar os materiais, além de oferecer
albergue, uniforme e a garantia de convênios.
"Isso ajudou a diminuir o lixo da cidade e aumentar
o número de catadores", informa Flávia
Helena da Silva, secretária-geral da
Apares.
Izabel
Zaneti pretende apresentar os resultados de sua
pesquisa no final de fevereiro para o atual
prefeito de Porto Alegre, José Fogaça.
Durante o período de campanha eleitoral, ela
tentou discutir novas propostas para o lixo com
candidatos a prefeito, mas, segundo ela, a
questão não é prioridade
política.