Mudanças em telecentros de São Paulo comprometem inclusão
digital
Um dos maiores programas de inclusão digital das Américas - a rede
de telecentros da cidade de São Paulo - pode estar ameaçado. Isso
porque questões que envolvem desde o corte de recursos e pessoal até
mudanças na forma de gestão das unidades estão em curso.
O atual coordenador geral do governo eletrônico, Celso Matsuda, anunciou
a possibilidade dos telecentros, criados na gestão petista, se transformarem
em algo próximo aos infocentros, mantidos pelo estado e com uma concepção
completamente diferente de inclusão digital. Comunidades atendidas pelos
telecentros reclamaram, fizeram manifestações, solicitaram reuniões
e, desde o ano passado, temendo um possível sucateamento do programa, criaram
uma comissão para negociar a transição para o novo governo.
Beá Tibiriça, Edgard Piccino e Raul Luiz, participantes da ONG Coletivo
Digital, manifestaram sua indignação com as alterações
por meio da "Carta aos telecentristas" enviada
para inúmeras redes de pessoas envolvidas com os programas de inclusão
digital e software livre.
Estima-se
que o corte tenha atingido cerca de 20% do pessoal que trabalhava nos 119 telecentros
da cidade de São Paulo. Já existem casos de pessoas trabalhando
como voluntários para manter os telecentros funcionando como antes. Os
agentes regionais, que cuidavam de 20 telecentros, hoje são responsáveis
por 40, o que inviabiliza a visita a todos semanalmente, como ocorria. Celso Matsuda,
em várias entrevistas à mídia impressa, justifica os cortes
de pessoal pela redução orçamentária dos telecentros.
Para Juliana Bertolucci, editora do portal da prefeitura até o ano passado
e diretora da ONG Coletivo Digital, a justificativa de Matsuda representa uma
falta de vontade política de levar à frente o projeto e complementa:
"o orçamento não é dado, é resultado de uma disputa
política pela importância e prioridade dos projetos. Em 2004 tínhamos
uma previsão de 5,5 milhões de verbas para os telecentros e conseguimos
11,5 milhões porque brigamos por aquilo que acreditamos. É preciso
engajamento com o projeto para se ter força política".
Mas
as mudanças não se restringem apenas ao corte de verbas e pessoal,
atingindo o modelo de inclusão digital dos telecentros, que se baseava
no princípio de que "inclusão digital pressupõe a inclusão
social". No projeto inicial a gestão dos telecentros foi pensada com
o máximo de participação da sociedade e, por isso, todos
os telecentros tinham um Conselho Gestor que gerenciava desde os recursos, até
os horários de funcionamento, programação das oficinas, etc.
Houve uma redução drástica no número de Conselhos,
de 119 ficaram apenas 9, um por região. Além disso, o número
de participantes da comunidade também diminuiu, antes existiam no mínimo
5 representantes da comunidade, mais um do governo eletrônico e um da subprefeitura.
Agora o Conselho é formado por apenas 4 membros, um do governo eletrônico,
um da prefeitura e 2 da comunidade e as decisões foram centralizadas nos
coordenadores do governo.
As
mudanças nos telecentros não devem parar por aí. No início
de fevereiro, Matsuda anunciou: "nosso objetivo é que os dois [telecentros
e infocentros] tenham a mesma cara e harmonia, ou seja, ofereçam serviços
- como cursos de informática e acesso à internet - em modelos bem
parecidos ou idênticos". No entanto, Bertolucci comenta que as diferenças
entre os dois programas de inclusão digital são enormes: "os
telecentros são totalmente gratuitos, oferecem mais do que serviços
à comunidade porque estão voltados para a educação
e cidadania e são espaços da comunidade, gerenciado por eles e,
em muitos casos, construídos por causa da luta deles". Além
disso, a diretora do Coletivo Digital lembra que os telecentros utilizam softwares
livres e o sistema operacional GNU/Linux, o que reduziu custos. "Isso gerou
autonomia tecnológica para os telecentros, formou monitores e usuários
capazes de desenvolver tecnologia nacional e abriu espaço para a discussão
sobre a quebra de patentes e de direitos autorais", conclui.
Microsoft
usa inclusão digital para ganhar mercado
A
Microsoft anunciou durante a "Oficina das Américas: planejamento de
produtos e serviços da rede de apoio a telecentros", promovida pela
empresa e pelo Centro de Pesquisas e Desenvolvimento Internacional do Canadá
(IDRC -International Development Research Center) que investirá 8 bilhões
de dólares em programas de inclusão digital. O evento aconteceu
entre 28 de fevereiro e 03 de março e reuniu várias pessoas envolvidas
com experiências de inclusão digital na América Latina. A
intenção da empresa norte-americana é formar uma grande rede
mundial de telecentros. No mesmo evento, a prefeitura de São Paulo e o
governo do estado anunciaram uma parceria com a Microsoft para a construção
de centros onde as pessoas serão treinadas nos softwares proprietários
da empresa. Os centros serão construídos junto aos metrôs
para atingir o maior número de pessoas possível.
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