Estudo avalia propriedade intelectual na agricultura brasileira
Perto
de completar 200 anos, a trajetória da pesquisa agrícola
no Brasil continua marcada pela forte atuação do setor
público, seja via universidades ou institutos e empresas
públicos de pesquisa. Mas, mesmo que a iniciativa privada
não seja o principal agente do setor, o estabelecimento de
mecanismos de proteção se faz necessário para
possibilitar o desenvolvimento de novas tecnologias e para a organização
dos mercados, por meio da implementação de políticas
públicas.
Esta
é uma das conclusões do pesquisador da Empresa de
Pesquisa Agropecuária do Estado do Rio de Janeiro (Pesagro),
Sergio Paulino de Carvalho, que analisou, em sua tese de doutorado
"A propriedade intelectual na agricultura", as implicações
da propriedade intelectual no processo de inovação
da agricultura no Brasil e as tendências de proteção
à propriedade intelectual, com destaque à proteção
de cultivares. A tese foi defendida em dezembro, no Departamento
de Política Científica e Tecnológica (DPCT),
da Unicamp, sob orientação do Prof. Sergio Salles-Filho.
A
propriedade intelectual é um conjunto de normas, decretos
e leis que regulam e garantem direitos sobre invenções
e criações em diversos campos de atividades. No Brasil,
existem três formas de proteção: propriedade
industrial (patentes e marcas), direitos de autor (que incluem programas
de computador) e as proteções sui generis (como proteção
de cultivares, que são variedades obtidas de uma espécie
vegetal).
A
Lei de Proteção de Cultivares foi aprovada no Brasil
em 1997 e passou a vigorar a partir do ano seguinte. Ela garante
a proteção dos direitos relativos à Propriedade
Intelectual de uma cultivar mediante um certificado concedido pelo
Serviço Nacional de Proteção de Cultivares
(SNPC). Carvalho mostrou em seu trabalho, que a promulgação
dessa Lei criou uma articulação entre o processo de
proteção e a formulação de políticas
setoriais voltadas para o mercado de sementes. "Os mecanismos
de proteção à Propriedade Intelectual são
fundamentais para a organização e coordenação
da pesquisa agropecuária e podem fortalecer a institucionalidade
da pesquisa pública", conclui Carvalho. Também
segundo o pesquisador, "nem sempre uma tecnologia protegida
está pronta para exploração comercial, tornando
necessários desenvolvimentos complementares para efetivá-la,
incorporá-la ao processo industrial. Isso enfatiza o papel
da propriedade intelectual no processo de articulação
entre agentes econômicos", diz ele.
Vale
ressaltar que, no país, as instituições públicas
de pesquisa estão em primeiro lugar entre os principais titulares
de cultivares de soja protegidas, com 39%, bem próximo das
empresas privadas estrangeiras, que detêm 38%, seguidas das
organizações de produtores ou fundações
a elas ligadas, com 20%. "A Embrapa articulou parcerias com
instituições públicas que garantiram um balanceamento
entre a presença privada estrangeira e a nacional na produção
da soja", conclui Carvalho.
Concorrência
necessária
Porém, para Carvalho, a proteção da propriedade
intelectual deve ocorrer sob um quadro regulatório de proteção
da concorrência. A falta de atenção das autoridades
em relação à defesa da concorrência,
pode fazer com que os efeitos positivos da proteção
intelectual verificado no caso da indústria de sementes no
Brasil seja perdido pela força de controle de mercado das
multinacionais.
Carvalho
ressalta ainda que existe tanto um "endeusamento" quanto
uma "demonização" da Propriedade Intelectual.
"Na realidade, há situações específicas
que dependem de muitos fatores. Saber tratar esses aspectos possibilita
estabelecer políticas de Propriedade Intelectual. É
fundamental que os agentes públicos e privados saibam lidar
com a combinação do quadro regulatório e das
características de mercado", conclui o pesquisador.