Diversidade e conservação de populações
de plantas da Mata Atlântica
Estudar a biodiversidade de uma área é considerado
cada vez mais importante para se procurar compreender como conservá-la.
Esses estudos, geralmente, procuram saber quantas espécies
de vegetais, animais e microorganismos estão presentes nas
regiões estudadas. Outras pesquisas procuram entender como
essas mesmas espécies se comportam e se relacionam. Atualmente,
com o auxílio de técnicas ligadas à biologia
molecular, algumas pesquisas se voltam para o estudo da diversidade
existente dentro de uma mesma espécie, procurando entender
melhor alguns mecanismos que podem levar à manutenção
ou extinção dessas espécies em determinadas
regiões.
Foi
procurando compreender a diversidade existente dentro de uma mesma
espécie de árvore da Mata Atlântica que os pesquisadores
do Centro de Energia Nuclear na Agricultura da USP, Pedro Luís
Rodrigues de Moraes e Maria Teresa Derbyshire, desenvolveram o projeto
"Estrutura genética de populações naturais
de Cryptocarya spp. (Lauraceae) através de marcadores
isoenzimáticos e de DNA", ligado ao Programa Biota/Fapesp.
O trabalho de diferenciação das populações
foi realizado por meio das isoenzimas presentes nessas plantas.
Enzimas são proteínas complexas que atuam no metabolismo
celular; as isoenzimas são diferentes formas moleculares
de uma mesma enzima. Essas diferenças podem ser estruturais,
como o peso molecular, ou de local de atuação dentro
da célula. A análise dessas isoenzimas, associada
a outras informações genéticas, permite aos
pesquisadores saber a variabilidade genética existente dentro
de uma população - indivíduos de uma determinada
área de uma mesma espécie - e entre populações
diferentes.
Uma
pesquisa prévia - explica Moraes - foi realizada com quatro
populações naturais de Cryptocarya moschata
(a noz-moscada-do-brasil), estudadas em quatro parques estaduais
de São Paulo: Carlos Botelho, Intervales e na Serra do Mar
nos Núcleos Santa Virgínia e Picinguaba. Para Moraes,
um dos diferenciais deste projeto de pesquisa foi o trabalho com
espécies nativas, "a maior parte dos trabalhos com marcadores
moleculares são feitos por grupos de fora do Brasil e as
espécies de Mata Atlântica são muito pouco estudadas.
Muitas pesquisas nessa área e na área da genômica
são feitas exclusivamente com espécies com fins comerciais".
"Encontramos"
- acrescenta o pesquisador - "que a divergência entre
essas populações era relativamente alta, o que dá
um patamar de diferenciação entre elas que seria semelhante
a falarmos de famílias de irmãos de mesmo pai e mãe".
Esperávamos encontrar que as populações mais
próximas geograficamente fossem mais semelhantes geneticamente,
o que realmente aconteceu com as plantas estudadas no litoral norte
do estado, mas as de Carlos Botelho e Intervales, separadas apenas
por 30 km, são muito diferentes". A hipótese
levantada pelos pesquisadores é que a diferença de
altitude e a existência de uma serra entre Carlos Botelho
e Intervales funcionam como barreiras naturais à circulação
de polinizadores dessas espécies, como pequenas abelhas,
e dispersores de suas sementes, como o macaco mono-carvoeiro, que
seriam os principais promotores do fluxo gênico entre as populações.
Esse
resultado inesperado levou os pesquisadores a ampliarem a área
de estudo dentro desses dois parques estaduais, procurando populações
que ocorressem ao longo de um gradiente e altitude entre as duas
primeiras áreas estudadas. Além disso, outras áreas
foram incorporadas, como a Juréia e a Cantareira, em São
Paulo, e a Serra dos Órgãos, no Rio de Janeiro, totalizando
37 populações amostradas para seis espécies
do gênero Cryptocarya. "Essa ampliação
permitiu ter informações bem completas", explica
Moraes. "A análise mais completa mostrou que o isolamento
por distância não ocorria, tanto para Cryptocarya
moschata quanto para C. aschersoniana (a "canela-batalha"),
e que a explicação para a variabilidade encontrada
entre as populações pode ser pela própria forma
como a espécie se reproduz, que mistura auto-cruzamento com
cruzamento entre indivíduos".
Uma
das perguntas que podem começar a ser respondidas por meio
dessas pesquisas se relaciona ao tamanho mínimo de uma população
necessário para a manutenção da espécie:
uma informação de extrema importância quando
se pensa na estruturação de áreas de proteção
da natureza. Com áreas cada vez mais fragmentadas, a chance
de indivíduos muito aparentados cruzarem fica cada vez maior
e isso pode levar a uma homogeneização genética.
"O grande risco pode ser o surgimento de alguma praga, doença
ou evento climático que os indivíduos de uma população
com escassa variabilidade não possam enfrentar, tornando-os
vulneráveis à extinção", conclui
Moraes.