Riscos de contaminação na maior reserva de água
potável do mundo
O maior
aqüífero de água doce potável do mundo,
o Guarani, está sob risco de contaminação a
partir da poluição do aqüífero Serra Geral.
Pesquisas realizadas pela Universidade Federal de Santa Catarina
(UFSC) revelam que as grandes fraturas encontradas no aqüífero
Serra Geral, situado mais à superfície, representam
uma ameaça aos recursos hídricos subterrâneos
da região meio oeste de Santa Catarina, onde as práticas
da suinocultura concentrada e a agricultura extensiva, especialmente
de soja e milho, são as principais fontes poluidoras.
Segundo Luiz Fernando Scheibe, coordenador do Laboratório
de Análise Ambiental do Departamento de Geociência
da UFSC, a presença de fosfatos e nitratos detectada nas
águas do Serra Geral - aqüífero mais vulnerável
aos agentes poluidores - demonstra que os dejetos suínos
e os adubos usados na produção de milho e de soja
têm sido os principais causadores desta poluição.
Scheibe alerta que o nível de fosfato e nitrato nas análises
de algumas partes do aqüífero Serra Geral, coletadas
de poços profundos, já é superior ao aceito
para consumo.
Como
coordenador do Laboratório, a preocupação de
Scheibe é que as águas dos dois aqüíferos
- Serra Geral e Guarani - se encontrem pelas fraturas e isso represente
uma ameaça ao Guarani, cujas conseqüências seriam
de enorme proporção, devido à dimensão
e importância deste aqüífero. Trata-se de uma
área de cerca de 1,2 milhão de quilômetros quadrados,
que recobre parcialmente os estados de Goiás, Minas Gerais,
São Paulo, Mato Grosso do Sul, Paraná, Santa Catarina
e Rio Grande do Sul, parte do subsolo da Argentina, Uruguai e Paraguai,
e constitui a maior reserva mundial de água potável
diretamente aproveitável.
As
conclusões sobre as fraturas fazem parte da dissertação
de mestrado de Cícero Augusto de Souza Almeida, "Hidrogeoquímica
e Vulnerabilidade dos Aqüíferos Serra Geral e Guarani",
defendida no final de janeiro na Geociência da UFSC, que identificou
ainda que as fossas esterqueiras criadas para evitar a contaminação
não chegaram ao resultado desejado por falta de estrutura
para impedir a infiltração e poluição
das barragens.
Segundo
Scheibe, orientador da dissertação, o condicionamento
dos dejetos de suínos em grandes esterqueiras foi estabelecido
pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa)
e a Empresa de Pesquisa Agropecuária e Extensão Rural
de Santa Catarina (Epagri), como tentativa de controle e ainda um
posterior aproveitamento como adubo. Mas o pesquisador explica que,
além das infiltrações, para obter sucesso com
o condicionamento o adubo precisa ser utilizado em área de
pelo menos dez hectares de terra. Caso contrário, o excesso
contaminará o aqüífero da mesma maneira.
Estudos
realizados também na UFSC mostram que a prática da
suinocultura muito concentrada e confinada cria um volume de dejetos
muito grande. Cada criador daquela região tem até
mil suínos, que produzem dez vezes mais dejetos que humanos.
"Aliado a isso, a indústria da suinocultura está
colocada de tal forma que a criação só compensa
se os criadores estiverem concentrados. Portanto, há também
uma dificuldade econômica para a solução do
problema", diz Scheibe. Segundo ele, até então
as ações do governo, via Embrapa e Epagri, têm
sido limitadas pela estrutura deste sistema.
Outra
preocupação dos pesquisadores tem sido o enchimento
dos lagos das barragens, que faz com que a água do reservatório
aumente e, conseqüentemente, aumente a água do subsolo.
A elevação do nível freático pode fazer
chegar à fossa nas áreas urbanas, de maneira que a
vulnerabilidade dos aqüíferos fica ainda maior. Nas
áreas mais fraturadas, o aqüífero Guarani fica
ameaçado pelos nitratos dos dejetos e pelas frações
dos agrotóxicos, elementos acumulativos.
Ainda
sem contaminação, o aqüífero já
é explorado no Brasil industrialmente e para abastecimento
público, como no Oeste do Paraná e Santa Catarina
e muitos municípios de São Paulo. Sua temperatura
de 38 a 40 graus centígrados também o torna atraente
para exploração pelas estâncias climáticas.
Outros
aqüíferos
Scheibe também orientou a tese de doutorado de Antonio Silvio
Jornada Krebs, defendida no início de fevereiro, e que analisou
o aqüífero Rio Bonito e os Leques Aluviais da Região
Sul, caracterizada pela intensa poluição devido à
exploração carbonífera e a rizicultura. No
aqüífero Rio Bonito, a principal ameaça é
a exploração de carvão, de onde se extrai a
pirita, que contém sulfato de ferro. Em contato com o ar
e a água, o sulfato de ferro oxida-se e produz ácido
sulfúrico, além de outros metais que, liberados, deixam
o Ph da água mais baixo. As análises realizadas comprovam
a acidificação dos cursos de água, onde foram
encontradas águas com Ph abaixo de 3, quando o Ph normal
é 7 e o indicado para consumo deve ser entre 6,5 e 9.
O
professor lembra que algumas empresas mineradoras tentam concentrar
os rejeitos em apenas um local mas, uma vez depositado sobre o solo,
contamina rios através do contato com o ar e o solo. O processo
poluidor continua enquanto houver material piritoso exposto à
oxidação. Em Santa Catarina, a exploração
do carvão data de 1885. A atividade de extração
do carvão também provoca o rebaixamento de terrenos
e do lençol freático, além da poluição
da atmosfera e o desmatamento local.
A contaminação por pirita abrange áreas incluídas
nas bacias hidrográficas dos rios Tubarão, Urussanga
e Araranguá. O Comitê da bacia do Rio Tubarão
e Complexo Lagunar estão em fases iniciais de funcionamento
e o Comitê da Bacia do Rio Araranguá, ainda em fase
de estruturação. O principal objetivo dos Comitês
é a definição de um programa de metas de despoluição,
envolvendo população e instituições.
Os
resultados das duas pesquisas referentes à poluição
dos recursos hídricos daquela região e à ameaça
de contaminação do Aqüífero Guarani serão
encaminhados às duas empresas hidrelétricas que gerenciam
as represas de Itá e Machadinho. A Embrapa e o Epagri, que
já realizam projetos de prevenção na região,
também receberão as pesquisas, informa o coordenador
do laboratório.