Movimento ambientalista brasileiro não teria contribuído
para grandes mudanças sociais
O
movimento ambientalista brasileiro não provocou mudanças
radicais na estrutura social do país. A conclusão
é do sociólogo Agripa Faria Alexandre, que apresentou
sua tese de doutorado "Ambientalismo político, seletivo
e diferencial no Brasil" na Universidade Federal de Santa Catarina
(UFSC).
Em
seu trabalho, Alexandre diverge da interpretação oficial
do ambientalismo brasileiro, presente no livro "O que o brasileiro
pensa da ecologia?". A obra, publicada pelo Governo em 1992
a partir de uma pesquisa de opinião, apresenta o movimento
como um marco civilizatório, a partir do qual surgem novas
relações do homem com o meio ambiente.
Segundo
o pesquisador, essa visão está equivocada, uma vez
que o ambientalismo nacional não alterou de forma significativa
as relações sociais. Pelo contrário, condicionou-se
à estrutura de mercado e às tradições
culturais já existentes no país.
"Percebe-se
que as estruturas sociais condicionam a atuação dos
movimentos ambientalistas. O capitalismo, por exemplo, leva os ambientalistas
a desenvolverem projetos de incentivo ao desenvolvimento do mercado.
Não podemos falar em mudança histórica se a
estrutura de mercado prevalece, se a atuação das ONGs
tem como termômetro a mídia, a opinião pública.
Por trás dos discursos, existem valores políticos
que precisam ser decifrados", argumenta o sociólogo.
Perda
do radicalismo
Para Alexandre, o movimento perdeu o radicalismo a partir da década
de 70, com a decadência do regime militar. Desde então,
os ambientalistas entraram na política e passaram a interferir
nas discussões da sociedade. Essa transformação,
entretanto, não pode ser considerada um marco histórico:
"A falácia dessa interpretação confunde
o ganho de posições setoriais com uma mudança
civilizatória. Os valores que guiam a sociedade continuam
a ser os mesmos da lógica de mercado, da burocracia estatal.
Existem mudanças, mas elas não causaram uma ruptura",
afirma o sociólogo.
Por outro lado, esse novo cenário gerou uma tensão
no ambientalismo. "A implantação das hipóteses
dos ambientalistas depende agora de fundos governamentais. Eles
precisam mostrar habilidade em fazer valer seus ideais", afirma.
O
deputado estadual Carlos Minc (PT-RJ), um dos fundadores do Partido
Verde (PV), acredita que foi nos anos 80 que o movimento ganhou
força no país. Isso teria se dado em função
da abertura política e da vinda de exilados políticos,
como Fernando Gabeira, que tiveram experiências com grupos
ecológicos europeus e de outros países. "Durante
toda essa década, os grupos ainda eram muito radicais, e
isto era necessário, para que o meio ambiente conquistasse
um espaço que ainda não possuía no país",
lembra o deputado.
Teria
sido no final da década de 80, opina Minc, que o movimento
começou a deixar de ser radical, "quando se percebeu
que era preciso ir além de sustentar o que não queríamos,
para começar a propor soluções viáveis
e alternativas". O deputado considera uma conquista a chegada
do movimento à política: "Toda vez que a preocupação
com o meio ambiente chega a algum lugar, traz algum benefício".
Multissetorialismo
Outra crítica de Alexandre à interpretação
oficial do ambientalismo diz respeito à ênfase no multissetorialismo,
ou seja, na propriedade que o movimento tem de se espalhar entre
diversos setores da sociedade. Essa capacidade é considerada
uma das principais conquistas do movimento nos últimos anos.
"Assumir esse viés epistemológico não
nos ajuda muito a entender as diferenças do movimento. Trata-se
de uma questão de especificidade, que a corrente multissetorial
não demonstra ter no ambientalismo brasileiro. Por isso,
sugiro uma interpretação pontual e diferenciadora
das várias correntes políticas existentes no ambientalismo",
afirma o sociólogo.
Um
dos motivos da crítica seria a forma de participação
das empresas. Segundo o pesquisador, apesar de muitas delas implementarem
projetos ambientais e até destinarem verbas para programas
desse gênero, seu interesse continua a ser o lucro. "Os
empresários, na década de 70, referiam-se aos ambientalistas
como eco-chatos. Em 92, já faziam propaganda do ambientalismo,
mas por interesse de mercado. Os produtos com selo ambientais favorecem
principalmente as exportações", acredita o sociólogo.
O
deputado do PT, entretanto, considera que o mais importante seja
favorecer o meio ambiente: "Nem todo empresário tem
essa visão mercantilista. Alguns já transformaram
suas empresas em empresas cidadãs, principalmente depois
do advento da responsabilidade social e ambiental. Hoje em dia,
mais e mais empresas começam a incorporar a responsabilidade
ambiental no planejamento de suas ações".
Para
realizar sua pesquisa, Alexandre analisou todos os projetos aprovados
pelo Fundo Nacional do Meio Ambiente, ligado ao Ministério
do Meio Ambiente, de 1990 a 2001. Além disso, entrou em contato
com 262 organizações não governamentais (ONGs)
registradas no Cadastro Nacional de Entidades Ambientalistas, o
que resultou em 80 entrevistas para o seu estudo.