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História do carnaval paulistano revela diferenças sociais

Dentro da programação que festeja o carnaval no Sesc Itaquera, na cidade de São Paulo, está uma exposição de fotos chamada "São Paulo: Carnaval em Branco e Preto". As imagens fazem parte da pesquisa desenvolvida pela socióloga Olga von Simson, coordenadora do Centro de Memória da Unicamp, que mostra o jogo entre classes sociais presente na maior festa popular brasileira.

Década de 20- O carro enfeitado da Família Barreto no desfile carnavalesco, copiando os padrões do corso burguês da Avendia Paulista. Créditos: Carnaval em Branco e Negro. Imagens do carnaval paulistano (1914-1988). Foto doada pela família.

No Brasil, o carnaval começou como uma atividade da elite, onde a burguesia saía às ruas para divertir o povo em um modelo de carnaval de luxo, importado da Europa. Mas, a autora informa que o povo não aceitou ficar apenas como expectador e tentou criar novos modelos valendo-se dos folguedos de fundo religioso vivenciados nas procissões, para então participar efetivamente da festa. "É no carnaval popular que a criatividade surge. É aí que vão aparecer manifestações típicas brasileiras, a afirmação da cultura popular de acordo com cada cidade", explica Simson.

Já o carnaval dos negros tomava como modelo um grupo que saía nas procissões coloniais fazendo a "Dança dos Caiapós". Eram negros vestidos de índios dançando como uma forma de denunciar e protestar contra a dominação branca. Simson explica que São Paulo era uma cidade com forte influência indígena por conta do bandeirantismo, onde o número de escravos negros era pequeno - em função da cidade ser pobre - sendo mais comum aprisionar e vender índios como escravos. Na dança, os negros contavam a história do pequeno curumim que aprisionado e morto pelo invasor branco recebe ajuda do pajé e volta a viver simbolizando a vitória do oprimido que se vale da sua própria cultura para vencer a opressão do homem branco. "Eu avaliei isto como uma resistência inteligente, em que eles se valem daqueles que estão abaixo deles na escala social para fazer uma denúncia e assim não sofrer repressão. É uma denúncia feita de maneira artística", diz a pesquisadora. Quando a participação dos negros nas procissões foi proibida pela igreja, eles transportaram a dança diretamente para o carnaval, que acabou se afirma como carnaval principal. "Para eles [os negros], o carnaval não era só divertimento, mas um espaço de resistência numa sociedade branca e descriminadora. É o lugar aonde eles se afirmavam como um grupo organizado, capaz de criar culturalmente", conclui.

Diferentemente, Simson explica que o carnaval chamado de popular branco ou operário, comum nos bairros como Brás, Mooca, Água Branca e Lapa, e que procurava imitar o carnaval da elite através dos cordões, acaba perdendo sua força conforme a cidade se desenvolveu, até desaparecer completamente. "O carnaval perdeu o significado para eles porque eles participaram do processo de inserção na sociedade paulista, na classe média, mudando, portanto, o seu estilo de vida", diz a socióloga.

A classe popular lutando para conquistar seu espaço na rua com a conseqüente expulsão da elite, que migra para outras cidades e para os bailes fechados para continuar brincando sem haver diversidade social. "O carnaval é um divertimento onde se brinca entre iguais, socialmente falando. Não há mistura", afirma Simson.

1962 - Desfile da Ala dos passistas da escola Nene de Vila Matilde cujo tema era a Escrava Isaura. Créditos: Carnaval em Branco e Negro. Imagens do carnaval paulistano (1914-1988).

Carnaval atual
A pesquisadora lembra que até pouco tempo, quando se falava em carnaval era sempre referente ao carnaval carioca, mesmo aquele retratado pela imprensa paulista. "Quando encontrava alguma coisa [sobre o carnaval paulistano] era na seção de crimes. Era um branco total", conta. Instigada pela ausência de informações sobre as origens do espetáculo em São Paulo a pesquisa foi iniciada baseada em depoimentos das principais lideranças do carnaval popular e na coleta de fotografias, primeiramente junto aos depoentes e depois em jornais e revistas do começo da primeira metade do século XX.

Atualmente, a pesquisadora acredita que a pluralidade social apareça de forma hierarquizada por meio dos postos que se ocupa no desfile das grandes escolas. No chão estão as classes populares e em cima dos carros alegóricos, estão os artistas ou pessoas da elite.

A pesquisa sobre a história do carnaval da cidade de São Paulo será publicada ainda este ano pela Editora da Unicamp e será acompanhada por um álbum de fotografias que cobre todos os carnavais da cidade no período de 1914, data em que é criado o primeiro cordão carnavalesco na cidade, até 1988, fase em que, segundo a autora, o carnaval já está estabelecido como carnaval-espetáculo, com status de grande divertimento público.

A exposição, que pode ser vista até o próximo dia 29 no Sesc, reúne cerca de cinquenta e cinco fotografias, que mostram os primeiros carros alegóricos, as primeiras fantasias e adereços utilizados no carnaval das classes populares.



Atualizado em 20/02/04
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