Conflitos agrários facilitam avanço da soja na 
              região amazônica
            Os 
              conflitos de terra que estouraram nas últimas semanas na 
              capital de Roraima, Boa Vista, envolvendo fazendeiros, índios 
              e diversos segmentos do governo, evidenciam uma das principais fontes 
              dos problemas enfrentados na Amazônia. De forma semelhante, 
              a falta de regularização fundiária tem facilitado 
              a expansão descontrolada da produção de soja 
              na região. Muito mais voraz do que qualquer outra cultura 
              agrícola estabelecida no país, a soja avançou 
              do Sul para o Centro-Oeste e já invade as fronteiras amazônicas 
              impulsionada por empresários atraídos por investimentos 
              públicos em infra-estrutura (estradas e portos) e uma total 
              desordem fundiária.
            
              
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                   Plantação 
                    bem-sucedida de soja na Amazônia. Foto: Embrapa Soja 
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            No 
              final de 2003, acompanhando a velocidade da expansão da soja 
              na região, cientistas e sociedade civil se reuniram em Belém, 
              no Pará, durante o seminário "Geopolítica 
              da Soja na Amazônia", promovido pelo Museu Goeldi, Embrapa 
              Amazônia Oriental e a organização não-governamental 
              Amigos da Terra - Amazônia Brasileira. Durante o evento, um 
              dos pontos de consenso foi a importância de uma atuação 
              enérgica sobre os conflitos fundiários na região: 
              "Reforçar a presença do Estado para coibir a 
              grilagem de terras públicas e a expropriação 
              violenta de populações locais, para solucionar os 
              conflitos sócio-ambientais, implementando o pleno Estado 
              de Direito como condição para estabelecer as bases 
              de negociação entre o conjunto dos atores no processo 
              de Zoneamento Econômico-Ecológico (ZEE)". 
            O 
              engenheiro agrônomo Paulo Galeraine, da Embrapa Soja, explica 
              que a soja é uma forte candidata a ocupar a Amazônia 
              devido a sua rusticidade, que permite suportar situações 
              de estresse e continuar produzindo. Entretanto, desde que a instituição 
              iniciou suas atividades no Sul do Brasil já haviam problemas 
              ambientais relacionados ao cultivo de soja. "Alguns estudos 
              chegaram a alertar o assoreamento da represa da hidrelétrica 
              de Itaipu por conseqüência de cultivos de soja nas margens", 
              comenta.
            Em 
              geral, as plantações estão em áreas 
              alteradas, especialmente pastagens improdutivas, sendo até 
              vistas como uma alternativa interessante para ocupar áreas 
              desmatadas. Mas, a crescente produtividade do grão, o desenvolvimento 
              de novas variedades que se adaptam melhor à região 
              e seu alto valor no mercado internacional estimulam a invasão 
              da soja nos cerrados e campos naturais, com biodiversidade endêmica, 
              e na própria floresta nativa. Charles Clement, biólogo 
              do Instituto Nacional de Pesquisa na Amazônia (Inpa), alerta 
              que "as áreas de cerrado utilizadas hoje serão 
              comprometidas pouco a pouco pelo fogo", indicando o avanço 
              do cultivo de grãos nas áreas florestais.
              
              Alternativas
              Leandro Ferreira, biólogo do Museu Paraense Emílio 
              Goeldi, acredita que uma das estratégias para impedir o avanço 
              da soja seria a criação de um mosaico de unidades 
              de conservação (UC). Quando se observa qualquer mapa 
              de satélite, explica Ferreira, é possível notar 
              que o que tem barrado a expansão dos desmatamentosem algumas 
              áreas, pelo menos por hora, são as fronteiras das 
              UC. Para isso, "também seria fundamental a conclusão 
              do zoneamento econômico-ecológico especialmente sobre 
              a região do arco do desmatamento (área tradicionalmente 
              mais impactada na Amazônia", diz.
            Outra 
              alternativa seria obter uma certificação semelhante 
              ao da madeira. O agrônomo Luís Fernando Guedes, do 
              Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola 
              (Imaflora), afirma que não existe certificação 
              sem a legalidade da terra e as dimensões da área de 
              cultivo poderiam ser limitadas. "Já existe soja orgânica 
              certificada na Amazônia e, até então, nenhuma 
              certificadora aceita produtos transgênicos", observa. 
              Mas, a discussão é praticamente inexistente quando 
              se fala da soja convencional, que tem presença muito mais 
              expressiva.
              
            
               
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                   Levantamentos 
                    realizados por Raimunda Monteiro, diretora do Fundo Nacional 
                    do Meio Ambiente (FNMA/MMA), mostram que as propriedades rurais 
                    de soja presentes na região amazônica têm 
                    entre 20 mil e um milhão de hectares. "O que podemos 
                    prever são conflitos entre médios e grandes 
                    proprietários", avalia. 
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            "A 
              produção de soja está sendo terceirizada na 
              Amazônia. Os grandes sojeiros fazem a compra antecipada da 
              safra através de insumos e sementes, e os pequenos produtores 
              pagam com grãos", comenta Bertha Becker, geógrafa 
              da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). A pesquisadora 
              diz ainda que os empresários precisam apenas da logística 
              de escoamento para exportação, que parece estar sendo 
              garantida nos planos de investimentos dos governos em infra-estrutura.
            Para 
              Becker, somente uma "revolução científica" 
              poderia evidenciar o verdadeiro valor da floresta e de seus povos 
              tradicionais, impedindo a sua substituição por culturas 
              exóticas. Durante o seminário "Geopolítica 
              da Soja na Amazônia", o pesquisador do Inpa, Charles 
              Clement, também questionou a inexistência de um valor 
              concreto da floresta, remetendo-se à falta de investimentos 
              em pesquisas de objetos da Amazônia. "Por que não 
              se fazem pesquisas sobre a domesticação agrícola 
              do açaí, pupunha, cupuaçu, urucum e guaraná, 
              por exemplo? A biopirataria aponta para demandas nacionais e internacionais 
              dos produtos amazônicos e nós não vemos isso? 
              A revolução científica é uma pré-condição 
              para o desenvolvimento sustentável", conclui.